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HISTÓRIAS DA VILA DO POVO FELIZ (5): FAMÍLIA PEDRA BARRETO

Atualizado: 21 de fev.


As décadas de 1950 e 1960 foi um período repleto de desafios monumentais, infraestrutura precária, famílias numerosas, terras dominadas por vastos campos de pinheiros, poucas opções de entretenimento além do futebol, temperados com doses generosas de cachaça e palheiro para enfrentar as dificuldades de manter uma família unida.

Essa história é familiar a muitas famílias pioneiras de nosso lugar, mas hoje gostaria de prestar homenagem a uma em particular, que se sustenta na figura do patriarca e na matriarca como pilares de força, juntamente com suas muitas dificuldades, conseguiram criar de maneira digna uma prole numerosa, predominantemente de mulheres, as quais hoje honram o legado do pai que já se foi e da mãe nonagenária que vive em suas memórias um passado distante, que talvez deva ser esquecido em certos aspectos, mas que merece ser lembrado e reverenciado em outros, de modo que outros possam conhecer a epopeia dessa família.

Desde criança, tive o privilégio de fazer parte desta família encantadora, que é um verdadeiro oásis de felicidade. Cresci ao lado deles e presenciei momentos inesquecíveis de encontros familiares, afinal, meus pais eram padrinhos do caçula. No entanto, o que mais me marcou nessa família incrível foi a união admirável que possuíam e a habilidade surpreendente de amar e perdoar, mesmo diante das adversidades que frequentemente os atingiam. Eles eram constantemente derrubados pelas dificuldades da vida, mas, como num passe de mágica, se reerguiam rapidamente.

Tudo isso graças à força inabalável de uma mãe forte e determinada, que tinha uma voz que transbordava coragem e determinação, e um patriarca que, mesmo enfrentando noites em suas próprias batalhas, como um verdadeiro "taurino-fera" autoproclamado, na manhã seguinte já estava trabalhando duro, na lida e no cabo da enxada, para garantir o sustento de sua amada família.

O patriarca, um verdadeiro herói camponês de estatura modesta, era dotado de uma força física impossível de ser subestimada. Com sua deslumbrante trilhadeira puxada pelos bois batizados de "Estrela" e "Bonito", ele percorria todas as propriedades da região, beneficiando sementes preciosas de milho, feijão e trigo. Os trabalhos eram executados com bravura e determinação, em uma verdadeira sinfonia de colaboração mútua “puxirão” entre vizinhos, enfrentando juntos os desafios de uma árdua tarefa agrícola. As jornadas eram longas, em lugares remotos de difícil alcance, dormindo em galpões rústicos, revitalizando-se em banhos nas águas cristalinas dos rios e alimentando-se com a parcimônia típica da escassez.

Viver 90 anos, sem dúvida, foi uma vitória dada por Deus, considerando todas as dificuldades causadas por esse estilo de vida. Enquanto o patriarca explorava a região em sua jornada de trilhas, sua esposa amada, uma mulher italiana forte vinda de Nova Erechim, com uma voz poderosa, mantinha o ritmo em casa e liderava os filhos nas tarefas domésticas, na criação de suínos e na lavoura.

Primeiro na Linha Pedra Lisa Alta e depois na Vila, eles precisavam se deslocar a pé ou de carroça até o local de trabalho, em terras com topografia acidentada que as pessoas costumavam dizer que era necessário "plantar com a espingarda e colher com o laço". Nessa casa, nunca faltava polenta brustolada, salame e queijo, além, é claro, de muita broa de milho, pão, arroz, feijão, ovos, carne de porco conservada na banha e farinha de milho produzida no moinho da família.

O mate, sem dúvida, era o companheiro fiel, pois, nos primeiros tempos, a erva vinha do soque da família, localizado à esquerda na descida, perto do que hoje é o viveiro municipal, e era administrado pelo avô paterno.

Porém, com o passar do tempo, as coisas inevitavelmente tomaram novos rumos. A família cresceu e o filho mais velho sentiu a necessidade de buscar novos horizontes para sua realização pessoal. As filhas e o caçula, por sua vez, foram se casando e se mudando para diferentes lugares. Uma delas, inclusive, trabalhava em nossa casa, quando se casou. Enquanto isso, as mais novas se dedicavam aos estudos, sendo que uma delas, minha colega de turma, hoje se destaca como uma pessoa de grande espiritualidade, uma verdadeira agente de transformação em sua igreja.

Infelizmente, assim como as demais famílias da vila, nos anos 80 as dificuldades se intensificaram e essa família também teve que partir. Não foi uma decisão fácil, principalmente para o casal, já na casa dos 60 anos, que precisou abandonar sua zona de conforto e buscar oportunidades para a família.

Suas atitudes ao primeiro olhar foram extremas: venderam tudo e partiram rumo ao Mato Grosso, em uma região de garimpos. Imagino que essa mudança de rota tenha sido bastante desafiadora em suas vidas. No entanto, percebo que eles se fortaleceram em suas espiritualidades e em uma das visitas que fizeram a minha mãe, pude notar o brilho nos olhos deles, como se ainda estivessem encantados pela vida, sem nenhum arrependimento, felizes por estarem juntos e por verem seus filhos trilhando seus próprios caminhos (... a Vanda, a Tide, a Isa, o Fio).

Sem dúvida, essas lembranças me transportam no tempo, me fazendo recordar, das vezes em que a família vinha fazer compras no comércio de meus pais, das cestinhas de Páscoa que minha mãe preparava com tanto carinho, e cabia a mim a responsabilidade de levar uma para o seu afilhado. Me lembro dos dias na escola, das tardes que passávamos em sua casa de madeira de dois andares, cor predominante azul, com as aberturas laranja, com um imenso espaço para brincarmos. Havia uma área externa sombreada, que circundava a casa, onde ficava a área de serviço. Lembro também das vezes em que, já adolescente, eu dirigia nosso fusca laranja para levar milho e fazer quirela, e das araucárias que ainda permanecem em pé no bairro Serra Alta, representando uma das imagens mais marcantes de sua antiga propriedade.

Reflito com imenso prazer sobre aqueles que verdadeiramente amamos. Neste momento em que a existência se desenrola, os problemas enfrentados no passado já não têm importância alguma. Embora por vezes assombrem nosso espírito, quando visito o Cemitério Municipal, não resisto a passar por uma pequena lápide na entrada a direita. Meus pensamentos se voltam a essa família querida enquanto rezo e recordo. Com as redes sociais, as distâncias se encurtaram e hoje posso, mesmo à distância, deleitar-me com a visão daquela adorável senhorinha em sua cadeira de balanço, imaginando quantas adversidades ela enfrentou. Estou presente nessa narrativa, no meio de enredos negativos e positivos, mas, no fim das contas, o que sobressai é o essencial: uma vida vivida com amor, cultivada com o perdão e completada pela realização dos filhos.


Um Sonhador Caminhando com Francisco

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