
Seguindo os mesmos passos que suas famílias, os irmãos deixam o Rio Grande querido quase ao mesmo tempo. Com objetivos compartilhados, a família numerosa se via diante da necessidade de expandir horizontes.
As terras eram escassas, as oportunidades limitadas. A notícia de que as terras no extremo Oeste catarinense, na fronteira com o Paraná, estavam prosperando era tentadora.
Os pinheirais cediam lugar a solos férteis, sem a necessidade de adubação, e por um preço muito mais acessível. Era a chance de ampliar os horizontes, de acolher os filhos e garantir um período de estabilidade.
A decisão não foi fácil – deixar para trás os pais, os parentes, vender a propriedade conquistada a duras penas. Mas os visionários viam além. A distância era grande, mas a esperança de uma vida melhor era imensa.
E, como em todo lugar, quem tem paixão e raízes sólidas encontra um caminho. A venda da propriedade foi facilitada, e a migração para novas terras foi feita com esperança no coração.
Na fervorosa festa da chegada de uma nova família na Linha Coxilha Negra, próximo da Vila do Povo Feliz, o clima de alegria contagiava compadres, amigos e irmãos.
Mesmo estabelecendo-se um pouco afastados, era na acolhedora Vila que encontravam tudo o que precisavam para suas atividades sociais e para manterem-se bem.
A vila, muito bem estruturada, oferecia serviços básicos a uma distância de 6 km, que podiam ser facilmente percorridos a pé, a cavalo ou, mais tarde, com a C-14 verde.
O patriarca, irmão mais velho do protagonista da história anterior, era apaixonado pelo jogo de bochas e apreciava um bom trago de cachaça.
Com seu jeito simpático, conquistava amigos com facilidade, enquanto seus filhos se destacavam no esporte, sendo goleiros de destaque tanto no time da comunidade quanto no Botafogo da Vila.
No início, os filhos da família uniram forças em atividades agrícolas ao lado dos pais, formando uma comunidade familiar. Conforme foram se casando, as casas foram surgindo e cada um recebeu uma parcela de terra para explorar. Apesar das propriedades serem individuais, o trabalho muitas vezes era feito em conjunto, revelando a solidariedade que os unia.
Lembro-me vividamente das inúmeras vezes em que acompanhei essa família na colheita de milho e feijão, utilizando nossa robusta F-350. Eles eram fregueses fiéis de meus pais, mantendo uma relação comercial baseada na confiança mútua, sempre cumprindo com seus compromissos.
Com o tempo, a família investiu em um trator MF-65 e uma colheitadeira, melhorando ainda mais suas atividades no campo.
Apesar das dificuldades, a família sempre valorizou a educação de seus filhos. Esses jovens enfrentavam diariamente uma jornada de 12 km para estudar, encontrando-se com outros colegas de diferentes famílias que também vinham de longe. Foi um desafio para todos, mas muitos desses jovens tornaram-se meus colegas de classe ou até mesmo meus alunos.
Ao longo dos anos, o filho mais velho, o lendário goleiro campeão do Botafogo local no épico título de 1978, decidiu vender sua propriedade e se mudar para a Vila.
Aqui, ele construiu um moinho e dedicou-se à sua operação com sua confiável F-350 bege. Mais tarde, ele expandiu seus negócios para áreas próximas da vila, voltando às suas raízes agrícolas após uma breve temporada no Centro-Oeste do Paraná.
Ao retornar à Vila, ele e seu filho entraram juntos no ramo comercial de compra de cereais e agropecuária, prosperando antes mesmo da emancipação do Município.
Mais tarde, ele trabalhou como operador de máquinas da Prefeitura até se aposentar. Hoje, esse homem que admiro profundamente desfruta sua aposentadoria ao lado de sua esposa, uma mulher ativa na vida da igreja, dedicada ao coral por muitos anos e à Legião de Maria.
Uma pessoa singular, cheia de fé. Seus filhos mais velhos foram meus grandes amigos de juventude o rapaz foi meu companheiro de república em Francisco Beltrão, onde vivemos juntos após seu retorno de Porto Alegre.
Ele é um jovem determinado que passou anos trabalhando no mundo bancário antes de dar os primeiros passos audaciosos empreendendo em seus próprios negócios.
Embora nossa relação hoje seja um pouco distante, sem dúvida ele foi uma figura crucial em minha jornada, seja no CTG local quando fui Patrão ou durante o período que antecedeu a emancipação, sendo um entusiasta da criação do novo município, ao meu lado e de outras pessoas determinadas.
Gradualmente, os demais membros da família foram abandonando a vida rural para se estabelecer na Vila.
Um dos filhos chegou a residir na região de Foz do Iguaçu, mas retornou para a Vila. Seu filho foi meu aluno, um jovem dedicado e esforçado.
Outro filho trabalhou como funcionário da Prefeitura e agora, aposentado, vive na mesma comunidade que eu. Uma de suas filhas foi colega de trabalho na Prefeitura, enquanto seu filho optou por seguir a carreira de garçom, algo típico da juventude da região nas décadas de 80 e 90.
Hoje, ele, sua esposa e seus filhos, que foram meus alunos, ainda se dedicam a essa atividade e frequentemente visitam seus pais e irmãs.
Um dos filhos, infelizmente falecido, era o goleiro reserva do lendário time do Botafogo, enquanto seu irmão mais velho era o titular. Esse senhor sempre incentivou seus filhos a estudarem, mesmo com a distância.
Sua filha mais velha mudou-se para Porto Alegre jovem, a convite de primos cujo os pais eram surdos-mudos, pessoas adoradas por todos na comunidade.
O filho desse casal era um visionário, ouvindo os Beatles através das ondas do rádio da BBC de Londres. Gentil e cativante, ele trabalhou por anos na Caldas Júnior em Porto Alegre e costumava partilhar as últimas notícias do renomado narrador Armindo Antonio Ranzolin, pelo qual eu era fã, ao escutar suas transmissões sobre o meu time, o Internacional, apesar dele ser torcedor do Grêmio.
Retornando à história da família do pai visionário que incentivou seus filhos a estudar, algo incomum e que rendeu frutos promissores: as filhas mais novas se mudaram para a cidade do já município e concluíram o ensino médio.
Tive o privilégio de ser professor delas, duas alunas dedicadas que agora estão fazendo a diferença no mundo, exercendo suas profissões com excelência.
Já o rapaz que também foi meu aluno no Ensino Fundamental II seguiu para a agitada metrópole de São Paulo, onde começou como garçom e, posteriormente, decolou até os EUA, alcançando grande sucesso. Ele realizou vários empreendimentos na região, nos enchendo de orgulho com sua coragem em desbravar o mundo dos negócios.
Há alguns anos, tive a oportunidade de conversar com ele em uma festa na Comunidade da Linha Pedra Lisa, quando ele surpreendeu minha filha mais velha ao iniciar uma conversa em inglês - idioma que ela estava aprendendo naquele momento.
Foi um momento único de felicidade, no qual pudemos relembrar sua jornada e os obstáculos que enfrentou para alcançar o sucesso. Ele nos mostrou que o mundo se torna pequeno para aqueles que sonham alto, que seguem o coração e desejam multiplicar os talentos que lhes foram dados por uma força maior.
Os velhos patriarcas se estabeleceram na cidade com o passar dos anos e viveram por longos períodos ao lado da filha que retornou do Rio Grande do Sul para cuidar dos pais idosos.
Essa família singular era conhecida por sua longevidade e pela forte relação entre os dois irmãos casados com as duas irmãs mencionadas anteriormente. Era uma conexão de afinidade extrema, permeada por lembranças de árduo trabalho, fé manifestada em cada gesto, coragem diante dos desafios e momentos de descontração com amigos, regados a cachaça, cantorias, futebol e bocha.
A simplicidade e a gratidão moldavam cada ação, celebrando cada avanço na vida, seja material, profissional, espiritual ou social.
Revisitar essas narrativas é como embarcar em uma viagem no tempo, reconstruindo os acontecimentos e resgatando valores que muitas vezes são esquecidos ou ignorados pela falta de compreensão. É importante lembrar que, assim como existia tradição, também havia espaço para inovação. Graças a essa mentalidade de avanço, as coisas evoluem e se transformam.
Ao olharmos para o passado com um olhar para o futuro, somos capazes de gerar mudanças significativas. Por exemplo, se antes árvores foram derrubadas para dar lugar à agricultura, hoje vemos esforços de reflorestamento realizados por membros dessa família, trazendo de volta o equilíbrio ambiental e ocupando áreas que já não são viáveis para a agricultura.
É gratificante saber que contribuímos para a jornada daqueles que estão construindo história no presente, mostrando que a educação continua sendo o principal instrumento para gerar oportunidades e reduzir as desigualdades.
Em meio a tantas transformações, é fundamental mantermos a mente aberta para o novo e o desconhecido, pois é assim que podemos construir um futuro melhor e mais justo.
Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/
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