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HISTÓRIAS DA VILA DO POVO FELIZ (29) - FAMÍLIA PIVA


Em um cenário montanhoso, na Pedra Lisa, um agricultor apaixonado por gaita de fole encantava a todos com suas melodias. Ao redor, uma família de pequenos agricultores desfrutava do privilégio de ouvir os acordes habilidosos de um verdadeiro gaúcho, que transformava seu acordeom em poesia para iluminar o lar.

Assim como tantas outras famílias, eles haviam deixado o querido Rio Grande em busca de uma vida melhor, com o sonho de proporcionar aos filhos a oportunidade de ter sua própria propriedade ao formarem suas próprias famílias.

As escolhas de áreas para desmatamento costumavam seguir critérios questionáveis no presente. As terras planas eram muitas vezes cobertas por pinheiros e deixadas de lado, enquanto as áreas íngremes e densas de mata, com árvores de lei como angico, cedro e peroba, eram ocupadas.

Na década de 50, era comum utilizar a madeira dessas áreas para a construção de casas e até mesmo para a produção de tabuinhas para cobertura, feitas manualmente. Isso permitia produzir por longos períodos sem a necessidade de investir em adubação.

Essa família numerosa, composta por jovens tanto do sexo masculino quanto feminino, tinha a responsabilidade de dar continuidade aos sonhos dos pais.

A casa de madeira ampla, localizada à esquerda da estrada, desprovida de qualquer pintura, mas com um assoalho de tábuas largas, impecavelmente encerrado, era o lar acolhedor dessa querida família.

A chegada até lá era desafiadora, devido à íngreme subida da estrada, com uma laje exposta no pé da serra que dificultava a passagem, especialmente em épocas em que o cascalhamento era escasso. Além disso, havia um riacho a ser atravessado, o que tornava a jornada até o topo da serra ainda mais complicada.

Naquela época, a circulação de veículos era rara, geralmente limitada a Jeeps e Rural e os pequenos caminhões que recolhiam a madeira e a produção, que tinham que ser traçados que conseguiam vencer os obstáculos.

Os meios de transporte mais comuns eram cavalos e carroças, tornando a viagem até a Vila do Povo Feliz, a cerca de 6 km de distância, uma verdadeira aventura. A linha estava sempre repleta de moradores dispostos a ajudar em momentos de dificuldade, seja emprestando mantimentos essenciais como açúcar, sal e farinha, ou trocando serviços, prática comum naquela época. Ter uma família grande significava ter uma mão de obra disponível e solidária, tornando a vida naquela região ainda mais especial e única.

Devido ao tamanho das proles, a polenta precisava ser feita em uma polenteira gigante de ferro cor preta, seguindo o costume de ser servida na tábua e cortada com linha 16.

As sobras eram reservadas para serem sapecadas (brustuladas) e servidas no café da manhã do dia seguinte, acompanhadas de um generoso pedaço de queijo e salame. Para o pai, um generoso bicheri de vino completava a refeição.

Nessa peculiar família, a fartura sempre esteve presente, apesar das adversidades enfrentadas. Viver em um cantinho afastado, sem acesso à energia elétrica e com trabalho manual árduo em terrenos desafiadores era a rotina diária. O patriarca era responsável por acordar cedo, acender o fogo e, junto com a matriarca, preparar o café da manhã. Após um momento de reunião ao redor da fogueira, eles planejavam as tarefas do dia para envolver toda a família no trabalho árduo da propriedade rural.

Os mais velhos se ocupavam de lavrar a terra, enquanto os mais novos ajudavam no plantio, sempre sob a supervisão atenta do pai.

As crianças contribuíam no transporte de água e lanches, e também auxiliavam com suas enxadas personalizadas, cuidadosamente adaptadas ao seu estilo e peso para melhorar a eficiência na tarefa.

O trabalho era minucioso, com a constante preocupação de evitar pedras no caminho e possíveis encontros indesejados com serpentes venenosas.

Vestidos com trajes típicos, incluindo grandes chapéus de palha feitos pela mãe e roupas de modelo e tecido semelhantes para todos, os membros da família se destacavam pela união e dedicação ao trabalho.

Calçados eram raros, e muitas vezes trabalhavam descalços, mesmo em dias frios de geada intensa. Essa família era exemplo de resiliência e cooperação, enfrentando juntos os desafios da vida no campo.

Certamente foram tempos desafiadores, nos quais a fé era o sustento principal. As tradicionais orações do terço em família ou as reuniões na casa dos vizinhos para ouvir as melodias gauchescas tocadas pelo patriarca eram momentos de conforto.

Outra opção de entretenimento era ouvir o rádio, com um horário estabelecido para ir dormir, pois o dia seguinte traria novos desafios. O estudo não era comum, principalmente para os rapazes, que raramente completavam o segundo ano primário.

Aprender a ler e escrever o próprio nome era o bastante para enfrentar a vida. O lazer era escasso, mas a criatividade não. As brincadeiras de caçar com bodoque, armar armadilhas, tomar banho no rio e colher frutas nativas eram atividades comuns.

Enquanto as meninas aprendiam a fazer crochê e brincavam de pega-pega e esconde-esconde, além de brincar com bonecas feitas de espigas de milho.

Recordo-me de uma curiosa situação envolvendo um membro desta família, que, ao sair de casa e formar sua própria família com uma esposa de linhagem já mencionada em minhas histórias, embarcou em uma jornada inicial na agricultura e, posteriormente, como motorista.

Por só ser capaz de assinar o próprio nome, ele enfrentou dificuldades para obter a carteira de motorista e, por um período considerável, utilizou a habilitação de seu irmão, que se assemelhava a ele.

Com o tempo, acredito que tenha conseguido obter a sua própria habilitação e, até hoje, continua atuando nesse ramo.

As jovens dessa família me deixaram uma lembrança marcante, já que após as aulas semanalmente passavam no comércio de meus pais para comprar algo para sua família.

Uma delas se tornou professora, provavelmente aposentada atualmente, e as demais se casaram com rapazes da Linha Pedra Lisa e região.

O filho mais novo, que emprestava a habilitação, acabou se casando com uma moça da Pedra Lisa baixa, de uma família, que já mencionei em minhas narrativas e que tinha o cultivo de parreiras como uma atividade agrícola.

O filho mais velho, que ajudava na lavoura, também formou sua família, provavelmente se mudou para a região de Chapecó.

O Patriarca era um homem de postura calma e honesta, já de certa idade nos anos 80, época em que minha lembrança se torna mais viva.

Lembro-me dele com sua gaita e tradicional bombacha na primeira festa que marcou o início do CTG Sinuelo da Serra.

Ele foi um dos entusiastas dessa tradição, participando ativamente desde o início. Acredito que não tenha testemunhado a construção do galpão crioulo, mas sem dúvida contribuiu para esse importante marco da tradição local, que celebra 45 anos neste ano.

Minha mente é invadida por lembranças antigas, quando as compras eram raras e feitas fora da temporada de colheita. Os produtos eram transportados em dois sacos amarrados no lombo dos cavalos, com o peso cuidadosamente equilibrado.

Ao chegarem, no comércio, amarravam os animais e os deixavam em um local específico para garantir sua segurança.

Em dias chuvosos, era comum utilizar um ferro preso a estacas de madeira, posicionado na frente do comércio para remover o excesso de barro dos calçados.

A tarefa de limpar o barro que ficava sob o ferro cabia a mim limpar com uma enxada, ainda criança não encontrava dificuldades em realizar esse serviço simples.

Quando o tempo melhorava, eu também tinha a responsabilidade de retirar o estrume dos cavalos, uma tarefa que realizava com certa indolência, mas cumpria a determinação de meus pais.

Já quando precisavam fazer compras em grande quantidade, os habitantes da região dependiam de uma carroça para se locomoverem. Como as compras eram geralmente feitas de forma anual, itens como farinha, açúcar e sal eram adquiridos em grande quantidade para evitar saídas desnecessárias.

Diante das dificuldades de acesso, imagino que os jovens das famílias disputavam a oportunidade de ir à Vila fazer as compras. Era uma chance de escapar do trabalho árduo, além de poder desfrutar de um mimo, como uma bala ou picolé, se soubessem administrar bem o troco.

A família, assim como os demais habitantes da Vila, enfrentou desafios devido à escassez de terras, baixa produtividade e a chegada da mecanização, que exigia uma mudança de mentalidade em relação ao trabalho e ao desejo de progresso e bem-estar.

Os patriarcas tiveram que lidar com rupturas nas tradições e mostrar mais ousadia para enfrentar os novos tempos.

Com a partida dos filhos, o patriarca se viu obrigado a vender a propriedade, já que estavam envelhecidos, e seguir os filhos em busca de uma vida melhor, mesmo que isso tenha sido uma decisão difícil, porém necessária para garantir acesso à saúde e uma melhor qualidade de vida.

Certamente, a partida daquela família deixou um vazio nos corações dos vizinhos e de todos nós que apreciávamos sua presença. Mesmo com a chegada de uma nova e gentil família a propriedade, cuja história também merece ser contada, a saudade permanece.

A antiga propriedade agora está coberta por uma bela floresta de eucaliptos, mas ainda é possível ver os vestígios da antiga morada. Cada pé de limão, cada sepo da casa, cada laranjeira evoca lembranças de um tempo onde a simplicidade reinava, mas o amor e a solidariedade floresciam.

Em meio à escassez de bens materiais, havia um constante compartilhar entre vizinhos e comunidade - um copo de açúcar emprestado, uma colher de banha oferecida, um punhado de sal compartilhado. A carne guardada em lata, o salame no porão, o queijo secando na janela da cozinha - símbolos de uma época onde a união e o cuidado mútuo prevaleciam.A vida dessa família era simples, mas repleta de generosidade. Eles não se preocupavam com o amanhã, apenas viviam o presente, enfrentando as dificuldades com coragem.

Para eles, o sofrimento era uma oportunidade de crescimento, não havia espaço para lamentações. Tinham fé em algo maior e acreditavam que as coisas melhorariam com o tempo.Mesmo sem notícias, acredito que estão bem. Tinham uma base sólida, fundamentada no amor a Deus, no trabalho árduo e no respeito ao próximo. Essa tríade nunca falha, mesmo que em alguns momentos da vida possa parecer desalinhada.

Era a essência daqueles que viviam de forma autêntica, valorizando a simplicidade, a natureza e enxergando além das aparências.

Eles sabiam que a verdadeira magia estava em fazer mais com menos, em sorrir diante dos desafios e em se conectar com o coração das pessoas.

Preferiam o diálogo à imposição unilateral, valorizando cada ação, gesto e desejo expresso.

Assim, deixavam uma marca indelével de sabedoria e compaixão por onde passavam.

 

Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/

 




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