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HISTÓRIAS DA VILA DO POVO FELIZ (23) - FAMÍLIA MARAN


Há pessoas que nos marcam de forma tão sutil, que acabam se tornando extraordinárias com o tempo, quando refletimos sobre a maneira como se comportam ao longo de suas jornadas.

A lembrança que me vem à mente agora é a desse clã que tinha uma forma peculiar de se comunicar, com uma voz doce e um respeito imenso por todos.

Não tive a oportunidade de conviver com a matriarca da família, mas consigo visualizar claramente o patriarca em minha mente, caminhando pela Vila, já curvado pela idade, cabelos brancos e uma simpatia única que envolvia todos ao seu redor.

Valorizar conquistas materiais é algo inerente à sociedade capitalista em que vivemos, mas ao analisar a jornada de muitos, percebemos que a verdadeira marca está nas coisas simples.

Jesus é um exemplo disso, não deixou grandes obras, mas marcou eternamente pelo seu amor e pelo seu chamado à comunhão e ao perdão, valores que muitas vezes são mais preciosos do que a riqueza que tanto almejamos mostrar.

Essa família de Descanso - SC, que recordo com carinho, era composta por uma mulher gentil, casada com um homem de grande vigor físico, capaz de movimentar toras de madeira sozinho nos estaleiros das serrarias que ele trabalhava.

Eles eram proprietários de uma serraria em parceria com meu pai na Linha Coxilha Negra, que infelizmente foi consumida por um incêndio.

O nome dela remetia à pureza, e suas atitudes refletiam isso. Lembro-me bem dela e de seus filhos, que eram meus amigos e colegas. A filha mais velha até foi minha professora em algumas ocasiões, substituindo a regente no 4º ano primário.

Como morava próximo à escola, essa gentil senhora trabalhou como servente e merendeira após a construção da Escola Nei Braga em 1975, hoje o Colégio Estadual Branco do Rio Branco, em um período em que não havia contratação oficial, os pais dos alunos pagavam diretamente.

Mesmo sem garantia de renda, ela se dedicava com afinco para nos atender. Anos depois, a família se mudou para a região norte de Santa Catarina, onde se estabeleceram na atividade madeireira.

Infelizmente, o senhor faleceu e não tenho informações sobre a senhora, mas observo os filhos através das redes sociais. Os rapazes seguiram diferentes caminhos, o mais velho tornou-se mecânico e ativo no CTG, graças à influência da Liria e Darci Maciel, os demais não sei qual as funções que hoje exercem, mas sem dúvida engradecem a história da família dessa senhora fazendo parte da saga de nosso povo naquela época.

Já os homens desta família, tive a oportunidade de conhecer de perto, seja por meio de relacionamentos profissionais ou amizades.

O filho mais velho se destacava como um habilidoso eletricista, aproveitando a chegada da energia elétrica na Vila em 1977. Muitas vezes me vi pedalando até sua casa, próxima onde funciona uma madeireira, buscando sua ajuda para resolver problemas no disjuntor que sempre desarmava devido à sobrecarga. Com o tempo, o avanço dos equipamentos eletrônicos gerou mais desafios, mas o eletricista sempre estava pronto para nos auxiliar.

Além de sua habilidade profissional, o filho mais velho também se destacava em sua atuação na igreja, sendo o primeiro Ministro da Eucaristia após o Concílio Vaticano II, uma época em que a igreja começou a dar mais espaço aos leigos. Sua conduta exemplar como cristão e cidadão era notável, não apenas em suas homilias, mas também em seu dia a dia.

Com o passar do tempo, como muitos daquela geração, ele precisou buscar novos horizontes e se mudou para Salgado Filho, levando consigo o seu pai. Atualmente, não sei ao certo onde eles residem, mas imagino que estejam bem, mantendo seu estilo de vida moderado.

O irmão do meio, um exímio motorista que fez história na principal empresa de transporte da nossa vila, fez inúmeras viagens levando madeira para o Rio Grande do Sul e São Paulo.

Penso como deve ter sido difícil as primeiras jornadas, em caravana liderada pelo habilidoso seu Luiz Wessler, rumando para a grande cidade. O receio era palpável, afinal, dirigir na vila era uma coisa, mas chegar em Embú-SP com um caminhão carregado era outra história.

No entanto, a paixão pela estrada e o sonho de ser caminhoneiro superavam qualquer temor. Mais tarde, ele se mudou para a região calçadista do Rio Grande do Sul, onde trabalhou e fixou moradia.

Hoje, ainda o vejo por aqui, compartilhando e se emocionando com as histórias da nossa vila. Provavelmente aposentado, deve viver ao lado de sua amada, cujo nome peculiar jamais sairá da minha memória.

O irmão mais novo, com quem tive a oportunidade de conviver mais de perto, teve uma participação significativa em minha vida. Ele trabalhou conosco como motorista, transportando produtos para o meu pai em seu F 600, e posteriormente na nossa F 350. Foi com ele que aprendi a dirigir, uma experiência que guardo com carinho até hoje.

Ele era alguém especial, casado com a filha de uma família da Vila. Decidido a buscar novas oportunidades e proporcionar uma vida digna para sua família, ele partiu rumo ao Rio Grande do Sul, onde encontrou emprego na indústria calçadista.

Sempre que vinha visitar seus sogros, ele fazia questão de passar em nossa casa. Lembro-me da primeira visita, em seu gol quadrado azul, símbolo do sucesso que ele conquistou em sua nova morada.

Diferente dos demais ele tinha uma voz entusiasmada e um ritmo acelerado, ele compartilhava seus feitos e planos para o futuro da família. Imagino que hoje esteja aposentado, desfrutando de momentos preciosos ao lado dos seus entes queridos.

A família, com sua simplicidade e forte religiosidade, era composta por filhos com nomes inspirados em figuras sagradas como João Batista e Santo Tarcísio, muito antes de esses nomes se tornarem populares no futebol em nossos times do coração Inter e Grêmio.

Essa família deixou uma marca profunda em minha juventude, pois sempre priorizaram o diálogo e a cordialidade nas relações, valores essenciais para uma convivência pacífica na sociedade.

Lembro-me com carinho de uma situação marcante, o falecimento do Nono. Com a avó sepultada na Vila, decidiram trasladar o corpo do avô para o cemitério local.

Em tempos difíceis, o corpo do noninho foi transportado sobre a caminhonete da família. Eu me lembro claramente da cena, segurando a urna com cuidado enquanto navegávamos por uma estrada acidentada e com a ameaça de chuva nos pressionando a avançar. Foi um ato de amor, reverência e admiração por aquele que partia para se reunir com sua amada esposa e seu pai no além.

Essas experiências moldaram minha jornada e me fizeram refletir sobre a importância de viver certos momentos que nos tornam melhores. Embora hoje possa parecer incomum transportar um corpo dessa forma ou viajar em cima de uma carroceria, naquele tempo era o que podíamos fazer com os recursos e o amor que tínhamos.

É gratificante saber que contribuí de alguma maneira para o último adeus àquele adorável senhor, que era amado pelos familiares e pelos moradores da Vila. São situações como essas que nos lembram da essência da vida e do respeito e carinho que devemos ter uns pelos outros.

Narrar esta história é como me inserir em um quebra-cabeça, onde cada lembrança se encaixa perfeitamente para formar o quadro completo da minha jornada. A importância desses eventos é indiscutível, pois foram eles que pavimentaram o caminho para o meu sucesso profissional e pessoal.

Desde cedo, sempre tive o desejo de ajudar os outros e doar o meu tempo, mesmo sem compreender totalmente o porquê. Esse sentimento foi se construindo aos poucos, como uma obra de arte que demanda paciência e dedicação, mas que no final se revela grandiosa e significativa.

Mesmo enfrentando momentos difíceis, como qualquer construção, mantive-me firme e inabalável, fundamentado nos valores que herdei dos meus pais e que foram reforçados pelo convívio com pessoas inspiradoras, como essa família.

Aprendi com eles que a essência da vida está na simplicidade e na honestidade do trabalho diário, sem manchas que possam macular nossa dignidade.


Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/

 

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