
Como é prazeroso reviver os momentos que nos enchiam de alegria! Naquela época de ouro da minha vida, presenciei tanto as vitórias quanto as adversidades, especialmente no âmbito financeiro das famílias que habitavam com carinho e esperança em nossa emergente vila. Desde a década de 50, nossa comunidade experimentou um considerável avanço, com inúmeras atividades econômicas se estabelecendo, enquanto muitos lares vindos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina buscavam um pedacinho de terra para construir seu refúgio da felicidade.
No começo, quando os serrotes e machados eram as principais ferramentas, as trincheiras eram abertas com bravura para cultivar feijão e milho. A suinocultura era desenvolvida em piquetes, e as varas de porcos percorriam quilômetros até chegar aos frigoríficos para o abate. A madeira era comercializada em inúmeras serrarias da região. Tempos difíceis, sem estradas, onde os agricultores precisavam improvisar com enxadas. A saúde e a educação eram precárias, mas mesmo assim, a fé nas missas, onde o Padre aparecia a cada três meses a cavalo, fortalecia todos. Aos domingos, o futebol, os bailes em família e as rádios eram fontes de entretenimento e a música gaúcha e sertaneja embalava os sonhos.
Após o período precursor e de muitas adversidades, diversos Municípios foram estabelecidos na região, tornando os serviços públicos mais acessíveis, embora ainda deficientes. Com a diminuição da exploração madeireira e o surgimento dos Municípios, novos caminhos se faziam necessários. A agricultura passou a ser mecanizada e surgiram oportunidades reais de crescimento.
Nesse contexto empolgante, uma família vinda de Encantado – RS desembarcou em nossa Vila, a convite de um renomado Médico que atuava em Palma Sola. Esse Médico havia adquirido terras e precisava de parceiros para associar-se e que liderassem os projetos de desenvolvimento propostos.
Numa família numerosa de descendentes alemães, cheios de visão e determinação, encontravam-se administradores, operadores de máquinas, motoristas e até uma professora formada, que rapidamente conseguiu emprego na vila. Os demais membros uniram forças para realizar algo grandioso, e assim surgiu a Granja Conceição, nomeada em homenagem à capela que existia nas terras adquiridas da família Lara, precursora da região.
Com a ousadia do administrador e seus irmãos, as áreas de cultivo foram organizadas e, enxergando além do horizonte, eles decidiram diversificar as atividades além das plantações. Com isso, investiram na produção suína e implementaram pocilgas modernas e um novo modelo de produção. Esta empreitada envolveu ainda mais membros da família, sendo meu padrinho de crisma o principal responsável por essa iniciativa na Granja.
Tenho vívidas lembranças de um caminhão Chevrolet marrom, com um poderoso motor Detroit, que chamava atenção pelo seu ronco inconfundível. Esse veículo foi adquirido para o transporte da produção, e o motorista posteriormente trabalhou com meus pais.
A granja prosperava, enquanto a professora brilhava em sua carreira na educação local, sendo uma referência de excelência e versatilidade. Além de suas habilidades como educadora, ela também se destacava por ser a única mulher a dirigir na vila, movimentando-se com estilo em sua C 10 azul e, posteriormente, em um reluzente Fiat Panorama também azul. As lembranças mais vivas que tenho são das aulas de inglês no 5º ano, com os cativantes personagens Dayse e Stephen, presentes em nosso livro didático. Infelizmente, os anos 80 foram marcados por desafios para essa família e a maioria dos moradores da vila. A Peste Suína assolou a região, abalando toda a cadeia de produção. Além disso, mudanças drásticas nas linhas de crédito destinadas à agricultura afetaram diretamente essa empresa, que não conseguiu se recuperar das adversidades. Essa situação é ainda mais triste quando consideramos o impacto direto nos negócios locais, uma vez que a granja empregava diversas pessoas, que, por sua vez, movimentavam a economia através de vales semanais de compra.
A área, uma vez próspera e vibrante, foi vendida para uma família local quando suas atividades cessaram. No entanto, os novos proprietários apenas decidiram manter as lavouras, deixando as construções à mercê do abandono e, ao longo do tempo, elas se deterioraram, ainda carregando os vestígios de uma época sublime.
Enquanto isso, os familiares seguiram caminhos diferentes: alguns retornaram para o Rio Grande do Sul, outros foram para Mato Grosso, e alguns permaneceram na região, lutando para se restabelecer. Estes foram tempos de grande resiliência, pois é sempre desafiador nos adaptarmos às privações depois de ter experimentado o auge.
Do lado de fora, hoje, observo que todos, de alguma maneira, conseguiram sobreviver com dignidade. Alguns encontraram seu sustento no comércio de madeira ou de pedras preciosas, enquanto outro abriu uma padaria. Isso só prova que a vida é feita de desafios e, infelizmente, nem sempre conseguimos recuperar a plenitude que um dia tivemos.
Mas isso é parte inerente da vida. Se não podemos mais alcançar sucesso material, ficam as lições que, muitas vezes, nos obrigam a enfrentar novos obstáculos.
Outro dia, nas redes sociais, me deparei com outro infortúnio que se abateu sobre essa família, o ciclone que levou rastos de destruição no Rio Grande do Sul. Duas irmãs, já idosas, foram vítimas de perdas materiais.
Essas lembranças me levaram a refletir sobre essas duas pessoas, uma enfermeira respeitada que ajudou a trazer ao mundo meus dois irmãos mais novos e outra que presenciei o funeral de seu bebê, na qual fui coroinha durante a celebração.
Foi extremamente emocionante lembrar dessa amada família, pois eles fizeram parte íntima da minha vida. Seja pelo laço familiar que compartilhamos, pelo fato de uma ser minha prima, de um dos membros ser meu padrinho e outra de minha irmã, pela professora querida que com certeza contribuiu para a minha intelectualidade, pelas celebrações de Natal e outras festividades que passamos juntos e também pela parceria comercial com meus pais.
Eu gostaria de expressar minha gratidão a todos os membros desta família que deixaram aqui um legado histórico. Afinal, apenas os autossuficientes e ignorantes não deixam um legado. Sem dúvida, vocês deixaram um legado rico em virtudes. Que essa história bela e inspiradora seja cada vez mais relembrada e compartilhada. Que um dia ela seja ampliada para que possamos vislumbrar ainda mais os detalhes dessa incrível jornada.
Vejo que um dos filhos dessa família retornou à Vila do Povo Feliz e está trabalhando em um Empresa Pública local. Isso é um testemunho do vínculo indissolúvel que essa família tem com o nosso lugar.
Um Sonhador Caminhando com Francisco
Comments