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CRÔNICA DE UM SER A DESPERTAR

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Por muito tempo, fui um homem de gente. De vozes, de agendas, de reuniões, de abraços públicos e sorrisos protocolares. Um ser que respirava a rua porque nela estava a sobrevivência — e, talvez, também a necessidade de ser visto.

Mas algo mudou.Não assim, de repente, como quem abre um portão velho.Mudou silenciosamente, como muda a estação: sem alarde, sem anúncio, apenas acontecendo.

Um dia percebi que os “Joões” e “Marias” do cotidiano haviam dado lugar a outros mestres — menores, alados, livres.

Hoje converso com Batman (o cão), com Mel, com Luna, com Nicanor. E também com os bem-te-vis, joões-de-barro, tico-ticos, canarinhos e beija-flores que pousam na janela da alma. Caminho entre pessegueiros, videiras, laranjeiras, pitangueiras e jabuticabeiras como quem atravessa uma catedral viva. Vejo alfaces que se abrem como oração matinal, morangos que coram em segredo e árvores que dançam ao vento como quem sabe mais do que revela.

A água do açude se move como páginas antigas de fé. Os peixes circulam como pensamentos que visitam e partem. E os netos sobem nas árvores, pulam na cama elástica, brincam na casinha… e me lembram que a alegria nunca precisou de senha.

As pescarias?Não pesco nada — só silêncio, paciência e o privilégio de não ser interrompido.

Os coelhos saltitam.O esquilo sobe e desce o coqueiro como quem tem pressa santa.A garça e o martim-pescador me roubam o lambari com a mesma elegância que a vida usa para levar o que não é nosso.E a saracura canta longe, lembrando que tudo segue, mesmo quando acreditamos que parou.

É nesse cenário que deixo, pouco a pouco, o “Paulo” que um dia fui — o militante, o gestor, o educador cercado de gente — para dar lugar ao “Francisco” que desejo ser. Ainda estou longe dele. Ainda vacilo. Ainda sou impaciente. Mas já não quero poder. Não quero prestígio. Não quero conquistas que me roubem a paz.

Quero o essencial. O suficiente para viver com dignidade e crescer como ser humano — parte da humanidade, não o centro dela.

Sim, isso ainda provoca estranhamento. Até nos que me amam. Mas o caminho para dentro é sempre solitário — e necessário.

Caminho porque preciso. Porque compreendi que despertar é ato de resistência. E que a esperança não está no outro — está em mim, no meu gesto concreto, na minha escolha diária. Ser simples não é ser parado: é ser ação no mundo.

Por isso, escolho estar longe de pessoas e perto da natureza. É opção — e como opção, me dá o direito de escolher o melhor: ser livre.

Livre com menos coisas, menos prestígio, menos ruído. O que significa menos gastos, menos preocupações, menos armadilhas, menos relações que adoecem. E, ao mesmo tempo, mais expectativas belas. Porque aqui — ao contrário da política — não há traição. Não há ilusões. A natureza devolve exatamente aquilo que entrego.

Nesse processo, descubro diariamente minhas imperfeições. O despertar é contínuo. Uma semente que germina em silêncio. É Francisco sussurrando: “Antes de seres santo no mundo, sê humano contigo mesmo.”

E eu me pergunto: Valeu a pena viver tanto tempo para fora? Quem eu era quando cercado de vozes? Quem me torno agora, cercado de pássaros? O que Francisco veria em mim hoje?E — mais difícil — o que eu ainda não ouso ver?

Talvez o milagre seja entender que Deus não pediu perfeição. Pediu disponibilidade.

E aqui estou: disponível. Despertando, errando, recomeçando. Percebendo que minha história não é fuga — é retorno. Não é desistência — é reencontro. Não é abandono do mundo — é escolha por um modo mais verdadeiro de habitá-lo.

Assim sigo. De Paulo para Francisco. Da superexposição para o silêncio .Do excesso para o essencial. Da política para a natureza.

Porque, no fundo, sempre foi Deus quem me chamava. Eu só precisei aprender a escutar.

➤ Para aprofundar essa reflexão, leia também:• Crônica – O Sonhador e a Provocação de Franciscohttps://www.caminhandocomfrancisco.com/post/cr%C3%B4nica-o-sonhador-e-a-provoca%C3%A7%C3%A3o-de-francisco

Conversando com Francisco – Um Mergulho na Jornada da Simplicidadehttps://www.caminhandocomfrancisco.com/post/conversando-com-francisco-um-mergulho-na-jornada-da-simplicidade

E talvez, ao ler estas linhas, você também se pergunte onde está o seu próprio despertar. Se para mim — um homem comum, cheio de falhas, história, pressa, equívocos e recomeços — foi possível reencontrar sentido no simples, no pequeno, no silêncio e na natureza, por que não seria possível para você?

 

O despertar não exige terras, árvores ou pássaros; exige apenas um instante de coragem para ouvir aquilo que a alma sussurra quando o mundo se cala. E a pergunta que fica é: em que momento, e em qual canto da sua vida, Deus tem chamado você a despertar?


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