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HISTÓRIAS DA VILA DO POVO FELIZ (21): NOSSA INFÂNCIA E JUVENTUDE

Atualizado: 21 de fev.


São como um portal para reviver memórias e revigorar a alma. O clichê "recordar é viver" desperta em nós um sentimento tão intenso que nos transporta no tempo e nos coloca novamente em momentos que nos trouxeram felicidade e moldaram nossa essência.

Contudo, voltar ao passado não implica em mudar os fatos, pois eles permanecem inalterados, mas nos permite lançar um olhar renovado sobre essas reminiscências.

Nossas memórias são como raios de luz que teimosamente emergem, e é nosso dever dar a elas um novo significado, para que possamos continuar nossa jornada com maestria e dar um propósito definido aos dias que nos restam.

Devemos sepultar de uma vez por todas os desconfortos que nos acompanham desde aquele período. O saudosismo, quando encarado como um fato histórico imutável, pode ser útil, desde que não nos percamos em devaneios.

Vivenciar o presente é o que verdadeiramente importa. Ainda que o passado pudesse parecer melhor, essa visão está embasada na percepção individual de cada um. Reviver constantemente o passado é uma perda de tempo, pois ele é o reflexo de um momento vivido com os recursos e conhecimentos disponíveis naquela época.

Relembrar as lembranças que esta narrativa aborda é perceber como as coisas simples eram preciosas na vida de muitos. Aspectos como status social, beleza, etnia, política ou religião não interferiam no conjunto, pois a maioria tinha acesso às mesmas possibilidades.

Embora não se possa negar a existência do racismo, bullying e da supremacia de alguns, a diferença estava em como encarávamos esses desafios. Essas questões não evoluíam para abusos, pois eram enfrentadas de forma direta e resolvidas olho no olho com aqueles que tentavam se impor de maneira desumana.

A infância, sem dúvida, é a época mais encantadora. Poucas responsabilidades, criatividade transbordante e uma maneira feliz de encarar a vida, quando o olhar dos pais valia mais que mil palavras.

Na nossa querida vila, a festa da Padroeira era um evento imperdível, e tínhamos certeza de que ganharíamos uma roupa nova e alguns trocados para nos divertir na roleta, no sete baiano e no porquinho da índia, sem esquecer de tomar um delicioso refrigerante.

A solenidade começava com um requintado café da manhã à base de mondongo e vinho. Contudo, a figura mais marcante era o nono Furlan da Coxilha Negra, que pontualmente despertava de madrugada e caminhava os 6 km até a Vila, a fim de ser o primeiro a servir.

Já nós, por outro lado, seguíamos a tradição de comparecer à missa, um momento imprescindível para cumprir com o ritual festivo.

E que vozes espirituosas ecoavam a melodia de "13 de maio na cova da Iria", onde se destacavam as brilhantes Dona Lurdes Perondi, Dona Pina Perondi, Dona Irma Marin, Dona Irmã Dalbosco, Dona Leda Confortin, Dona Iva Damo e Dona Vilma Demartini, entre outras que faziam parte do coral.

Recordo-me vividamente dos Padres Leopoldo Melz e Frei Francisco Roldo, cujas homilias, apesar de não terem uma conexão direta com a vida cotidiana, tratavam das leituras e do Evangelho do dia.

Vale ressaltar que os auxiliares nessas ocasiões eram o Batista Maran e o Delvino Righes, os primeiros Ministros da Eucaristia na Capela Nossa Senhora de Fátima.

Após a missa, íamos para as barracas de jogos, correndo e brincando de esconde-esconde e pega-pega... Ao meio dia, nos deliciamos com um churrasco suculento, servido em um espeto de madeira, sendo a carne de acordo com a preferência dos nossos pais.

Quem chegasse mais cedo tinha o privilégio de escolher a melhor parte. Além da carne, tínhamos salada, pão e batata-crem em conserva, que levávamos de casa. E claro, a famosa gasosa roxa (groselha, framboesa) e a cervejinha para nossos pais.

Após o almoço, sempre tinha um pedaço de bolo com pudim e sagu, e então era realizado um leilão comandado pelo leiloeiro Delvino Righes, conhecido como "bambim".

Os adultos aproveitavam para jogar cartas, mora e 48, enquanto entoavam cantigas em italiano, enquanto nós continuávamos com nossas brincadeiras, que costumavam se estender até o fim da tarde. Ao voltar para casa, cheios de felicidade, esperávamos ansiosamente pela próxima festa.

Outra celebração religiosa, marcada pelo simbolismo e fé, acontecia anualmente no dia 08 de Dezembro em honra à Nossa Senhora da Conceição, na bela Granja Conceição.

Nesse dia especial, uma procissão solene conduzia-nos até o majestoso capitel, onde uma Missa Campal era realizada com devoção e fervor. Em algumas ocasiões, até mesmo a apetitosa carne era comercializada para os romeiros.

Guardo na memória até hoje o cemitério, vizinho da humilde Capela, e o pequeno e tocante quadro da virgem, reverenciado sob o sagrado altar.

Durante os meus dias de escola, as festas juninas eram o ápice da diversão. Mal podíamos esperar pelos quitutes deliciosos, as roupas típicas e a imponente fogueira.

As danças com facões, as apresentações da cana verde e, é claro, a quadrilha, eram todas coordenadas pelo Casal Darci e Liria Maciel.

Os gaiteiros, por sua vez, iam se revezando ao longo dos anos. Lembro-me especialmente do Senhor da Pedra Lisa, pai do Jorge, e o talentoso Sadi Pimentel.

Nossas primeiras festas que me recordo aconteciam no Bolão do Senhor Narciso Barcarol, mas a maioria era realizada no Pavilhão da Igreja. Era bastante comum que as rimas dos versinhos tivessem um tom humorístico e até mesmo pessoal, sem que isso causasse ofensas, é claro. No entanto, hoje em dia, tal conceito não se encaixaria e seria considerado inadequado.

Outra festa memorável durante minha fase escolar era o desfile de 7 de setembro. Geralmente, o dia do desfile era marcado por um frio intenso, mas a atmosfera era repleta de simbolismo.

Pelotões desfilavam com orgulho, recitávamos poesias e cantávamos os hinos como o do Paraná, Nacional, da Bandeira e da Independência.

Estes hinos eram ensaiados e cobrados em aulas de Educação Moral e Cívica. Era um período em que o patriotismo estava arraigado em nossa tradição, mesmo em um momento ditatorial em que não tínhamos total consciência dos impactos que isso teria em nossas vidas.

O cerceamento da liberdade que esse regime impunha nos grandes centros não era visível para nós, que vivíamos nas pequenas vilas e cidades, sem mencionar que a censura era apenas algo estampado nas aberturas de novelas, onde via-se a "legalidade" de sua existência.

Na minha infância, a diversão era garantida com brincadeiras tradicionais e cantigas de roda (Arroz com leite, Ciranda – cirandinha, passa passará, Terezinha de Jesus...), pular sapata (amarelinha), jogar futebol, pedalar pela cidade em movimentos sinuosos, atirar com precisão de bodoque, armar armadilhas e deslizar pelas ruas em carrinhos de rolimã, eram nossas atividades preferidas.

E como esquecer das bolinhas de gude, do clássico jogo de mocinho e bandido e da adrenalina de gato e rato?

Essas brincadeiras preenchiam nossos dias, tornavam nossos horários de volta para casa mero detalhe e ocasionavam algumas chineladas merecidas, já que chegávamos em casa sujos e sem cumprir os compromissos assumidos.

Mas, sem dúvida alguma, o futebol era o ponto alto das nossas aventuras. Na rua, formávamos nossos próprios times, criando nossos próprios ídolos, como João Sujeira, Luizinho, Miltinho e Jair..., craques locais que encarnavam nosso sonho de um dia jogarmos em grandes clubes.

Nos intervalos dos jogos, entre uma rebatida e uma vingança em um dos gols, próximo a um imenso pinheiro, com a área coberta de serragem, fazíamos o palco dos 15 minutos de descanso de nossos ídolos.

Era uma época de ingenuidade e diversão, onde todos éramos crianças prontas para viver momentos incríveis e cheios de imaginação. Essas lembranças são o reflexo de uma infância, onde a criatividade era o único limite para nossa diversão.

Na adolescência, deixamos de lado muitas das coisas que nos motivavam e começamos a participar de festinhas de aniversário nas casas - risoto, refrigerante, e para os maiores de 18 anos, vinho.

O clima era animado, com muita música, tanto das discotecas (Abba, Bee Gees, Saragossa Band...) quanto das românticas e lentas (Júlio Iglesias, Roberto Carlos, Altieres Barbiero, Roberto Barreiros, Barros de Alencar...). Era a oportunidade perfeita para iniciar as nossas paqueras.

Outro momento especial eram os jantares dançantes no Pavilhão da Igreja, geralmente organizados pelos formandos da 8ª série, com o DJ Juquinha Damasceno ou um rapaz de Salgado Filho, que com seus 3 em 1 (discos e fitas), animavam o ambiente.

Essas noites eram o ápice para nós, cheias de alegria e simplicidade, que nos faziam felizes. Bebíamos de forma moderada, e sempre tinha alguém apaixonado que exagerava um pouco e precisava ser amparado e levado para casa após a festa.

No dia do Estudante, nossa escola se transformava em um verdadeiro espetáculo, deixando de lado as simples brincadeiras e nos presenteando com algo verdadeiramente grandioso.

Tenho uma memória vívida em minha mente, no 8º ano noturno, a única turma noturna do Ensino Fundamental 2, criada para acompanhar o 1º ano do 2º grau, uma extensão do CE Padre Anchieta de Salgado Filho.

Nesse dia especial, fomos premiados com uma festa espetacular para celebrar essa data. Ah, e é óbvio que tínhamos uma cervejinha gelada, servida em um tambor de 200 litros com muito gelo – algo que hoje em dia seria totalmente inaceitável.

Éramos jovens, mas não estávamos entregues à nossa própria sorte. Adultos responsáveis estavam presentes para garantir que tudo corresse bem.

Aquela noite foi épica, cheia de flertes e competições acirradas. Lembro-me nitidamente da minha vez de cantar.

Digamos que o talento vocal não era o meu ponto forte, mas decidi arriscar mesmo assim. Escolhi a música "Gaúcho de Passo Fundo", do icônico Teixeirinha. No entanto, fui reprovado pela avaliação implacável de Elio A Bernardon, que atuava como jurado naquela noite.

Outro momento memorável foi quando os alunos decidiram encenar uma paródia dos professores. Minha colega Rosane Sampaio foi escolhida para imitar o saudoso professor Oreste Rossetto.

Ela usou com maestria a linguagem com forte sotaque italiano, pronunciando os "r" de forma bem marcada, enquanto falava sobre a etimologia da palavra "...". A origem latina da palavra proporcionou risadas intermináveis.

A festa do Dia do Estudante na minha escola sempre foi um espetáculo, trazendo diversão e momentos inesquecíveis para todos nós. É uma lembrança preciosa que guardo com muito carinho, lembrando-me da alegria e do espírito de união que envolvia toda a comunidade escolar naquela noite especial.

Além das inúmeras atividades de lazer, nós costumávamos ter os sábados à noite reservados para o Encontro de Jovens da JUFS. Era um momento para refletirmos sobre nossa relação com Deus, com os amigos e com a sociedade.

Esses encontros eram breves, mas sempre traziam possibilidades de nos aproximarmos de nossos ideais e objetivos futuros. Muitas vezes, participávamos em outros locais e até na Matriz de Salgado Filho. A forma como nos locomovíamos era algo peculiar: em cima das carrocerias dos caminhões.

Esse meio de transporte também era usado nos jogos de futebol, quando a nossa equipe local e a torcida se deslocavam pela região.

Durante todo o trajeto, era diversão garantida, com muitas cantorias. Claro, tínhamos que lidar com as estradas de terra e seus riscos. De vez em quando, havia um motorista mais agressivo ao volante ou algum solavanco mais brusco. Mas, no final das contas, sempre voltávamos felizes por mais um domingo agradável em nossas vidas.

Apesar das dificuldades financeiras e meios de locomoção, aquele período foi crucial para moldar nossas personalidades e nos preparar para os desafios do estudo e do trabalho.

No final dos anos 70 e início dos anos 80, surgiu o CTG (Centro de Tradições Gaúchas), uma grande conquista para a Vila do Povo Feliz. Acredito que, junto com o time local Botafogo, tenha sido o que mais impulsionou a nossa comunidade.

Muitas pessoas foram importantes nessa iniciativa, mas gostaria de destacar especialmente Darci Maciel, que trouxe a tradição e seu verdadeiro significado, indo além do uso da bombacha, bota, lenço e guaiaca.

Me pai teve a honra de ser o 2º Patrão do CTG, e foi algo marcante. As festividades trouxeram a gaita, o pau de sebo, a caça ao pato, além, é claro, de muita dança e churrasco.

A primeira festa aconteceu em um terreno amplo, onde hoje está localizada a antena da OI (antiga Telepar). Posteriormente, foi construída a sede do CTG, e a Semana Farroupilha se tornou um evento marcante, com Torneio de Bochas, noite alemã, noite italiana, costelão e o baile de encerramento, com um conjunto ou banda tradicional (Mirins, Monarcas, Serranos, Maragatos, Chama Crioula, Filhos do Sul, Os Futuristas, Os Montanari...).

Toda a região vinha participar desses momentos, seja para os jantares, torneios ou baile de encerramento. Eram, sem dúvida, grandes festas que envolviam toda a comunidade.

Às vezes, fico pensando como eles conseguiam e como nós conseguíamos organizar tudo isso. Mais tarde, como Patrão, eu repeti toda essa programação e posso afirmar que o amor pela tradição e pela nossa comunidade era o que movia todos nós.

E como poderia esquecer do piçacan (radiche) preparado pelo seu Reineli Tecchio, e da polenta feita pelo Valter Righes, Seu Aldo e Dona Irma Dalbosco e minha sogra Dona Clair...

Com o decorrer do tempo, surgiu uma diminuição considerável na frequência desses acontecimentos na vida dos jovens. Dessa forma, tiveram a oportunidade de explorar outras atividades vibrantes e empolgantes, como desbravar as discotecas Pop Som, localizada em Salgado Filho, Black Som, em Palma Sola, e a do Moacir Perondi, na Vila.

Sem mencionar os famosos bailes de carnaval no Pavilhão e matinês de Natal e Páscoa no Clube Havaí localizados na Linha Tatetos, o animado Baile de Réveillon na Linha Rio Verde e as aventuras por Linha Progresso, Cero Azul e Altaneira.

Nosso entretenimento era completado com a participação em torneios de quadra em toda a região. Com o nosso time os Periquitos a bordo de nossa F-350 vermelha ou do Perkins também vermelho, ou ainda do F-650 verde da Madeireira Damo, saíamos logo cedo aos domingos para participar dessas competições, principalmente durante a Quaresma.

Os jogos de truco, o churrasco ao meio-dia e a abundância de picolés, refrigerantes e, é claro, algumas cervejas, de acordo com nossas condições financeiras, eram a nossa primeira experiência com a liberdade de ser jovem.

Além disso, não podemos esquecer do icônico visual dos cabelos compridos e da rebeldia tradicional da nossa juventude, que os pais se esforçavam em canalizar para o caminho certo.

Não sou adepto de um saudosismo utópico, mas recordo esse período como um capítulo marcante em minha jornada. Foi nesse momento que comecei a forjar minha personalidade e dar meus primeiros passos como líder jovem.

Agradeço ao movimento da Igreja Católica por me proporcionar a oportunidade de ir além, ocupando posições que me permitiram realizar meus sonhos pessoais em prol da comunidade.

Claro, nem tudo foram rosas; muitos obstáculos surgiram no meu caminho. No entanto, ao olhar para o presente, percebo que eles foram fundamentais, servindo como proteção em vez de causar danos, além de me permitirem apreciar o aroma das flores com maior consciência.

Voltar ao passado não significa idealizá-lo no presente como algo grandioso, mas sim reconhecer o caminho percorrido. Naquele tempo, a simplicidade e a criatividade exigiam ação, pois vislumbrávamos um futuro alcançável desde que fizéssemos nossa parte.

Considero-me alguém que percorreu esse trajeto com determinação, impulsionado pela minha fé, pela vivência cultural e estudantil, pelo apoio dos pais e irmãos, pela amizade e solidariedade.

Graças a esses recursos e à minha família atual (esposa, filhas, netos...), avancei em meus propósitos e me reconstruí, mantendo sempre minha dignidade e focando no essencial: o amor ao próximo, mesmo que muitas vezes incompreendido.

Contemplar essa trajetória, onde diversos indivíduos contribuíram para a grandiosidade da história da Vila, é algo digno de celebração no presente.

A narrativa apresentada é composta por eventos históricos que permaneceram em seu tempo, juntamente com suas conquistas e falhas, e hoje nos servem como parâmetros para trilharmos nossos próprios caminhos.

Elas nos garantem a certeza de que, às vezes, perder significa ganhar - pode soar clichê, porém essa ideia foi vivenciada por mim de maneira experiente. Quando fui democraticamente retirado da política, fui presenteado com a oportunidade de me redescobrir profissional e academicamente, assim como ocorreu com minha esposa.

É certo que a dor foi dilacerante, mas compreendi que não foi minha consciência (Deus) que flutuou na minha mente, mas sim o meu ego (encardido/insidioso), que me dizia que eu era um fracassado.

Hoje, entendo que essa afirmação está longe da verdade - a vitória nos visitou e se manifestou por meio de nossas filhas, netos e de uma existência simples, plena de paz, sem a necessidade de prestar contas a ninguém além de nossa consciência a quem posso chamar de Deus.

É claro que não sofremos de amnésia, esquecendo o que nos aconteceu, mas aprendemos a perdoar sem, necessariamente, ter que conviver novamente com aqueles que nos prejudicaram.

Afinal, somos seres livres e temos a prerrogativa de fazer escolhas e dirigir nossa jornada naquilo que acreditamos e defendemos.

Se, em certas ocasiões, precisamos nos afastar ou romper laços, devemos fazê-lo para que não nos prejudiquemos nem prejudiquemos o próximo, pois nossa compreensão é simplista: encontramos a felicidade ao fazer os outros felizes.


Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/

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