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🌾Raízes na Terra, Sonhos no Céu – A Saga da Família Tecchio - Histórias da Vila do Povo Feliz (59)

Foto do escritor: caminhandocomfrancisco.com/ caminhandocomfrancisco.com/

A saga da família Tecchio é um retrato fiel das tantas histórias vividas pelos descendentes de italianos no Sul do Brasil. Vindos do Rio Grande do Sul, seus antepassados trouxeram na mala pouca coisa: algumas mudas de roupa, uma imagem de santo e um punhado de sementes. Mas no coração, traziam muito mais: a esperança de uma vida melhor e a fé inabalável de que o trabalho duro e a união familiar seriam o caminho para dias prósperos.

As estradas eram precárias, muitas delas apenas picadas abertas a machado, e as viagens longas, feitas em carroças puxadas por bois, debaixo de sol e chuva. As dificuldades eram imensas: terras brutas a serem domadas, falta de infraestrutura, doenças e, acima de tudo, o desafio de criar famílias numerosas em tempos de escassez. Mas, apesar de tudo, nunca faltou um prato de polenta fumegante sobre a mesa, um pedaço de queijo curado guardado no porão ou um gole de vinho para celebrar a vida.

Nos anos 50 e 60, as famílias italianas eram grandes, e todos tinham seu papel bem definido. O pai, com as mãos calejadas do cabo da enxada, levantava-se ainda de madrugada para trabalhar na lavoura. A mãe, de avental, cuidava da casa, do forno de barro, das galinhas e dos filhos, sempre atenta à missa de domingo e aos ensinamentos transmitidos de geração em geração.

A infância era simples, repleta de aprendizados. Os meninos ajudavam na roça, capinando, entregando leite na cidade ou moendo milho para a farinha. As meninas aprendiam a bordar, assar pão e cuidar dos irmãos menores. Estudar era um privilégio raro, e aqueles que podiam frequentar a escola iam a pé, desafiando a chuva, o barro e longas distâncias. Para proteger os cadernos do sereno da manhã, embrulhavam-nos em panos ou reutilizavam pacotes de açúcar, enquanto os lápis eram aproveitados até restar apenas um toquinho.

A fé tinha papel fundamental na vida dessas famílias. Aos domingos, todos colocavam suas melhores roupas para ir à missa. Os sapatos eram levados nas mãos até a beira do caminho, onde os pés eram lavados na sanga antes de calçá-los para entrar na igreja. Ali, as famílias se encontravam, combinavam casamentos, fortaleciam os laços de amizade e renovavam as esperanças para a semana seguinte.

No lazer, o futebol no potreiro era o esporte dos meninos, que improvisavam bolas com bexiga de porco ou trapos amarrados. Os adultos se reuniam na bocha, nas festas do padroeiro ou nos bailes do CTG, onde as moças esperavam ansiosas pelo convite para a primeira valsa da noite. O rádio era o elo com o mundo, trazendo as novelas, os programas de auditório e os jogos do Grêmio e do Inter, que dividiam paixões nas comunidades.

A família dessa narrativa como tantas vinda do Rio Grande do Sul, encontrou em Descanso - SC um ponto de parada que logo se transformou em um lar próspero. A união entre Pazolini e Tecchio, seguida pela aliança com os Maran e, por fim, a junção com os Barbieri, compôs uma verdadeira sinfonia de trabalho, tradição italiana, boa comida e fé inabalável em dias melhores. No entanto, o crescimento das famílias e seus sonhos exigiam novos horizontes.

E assim tem início uma nova migração, rumo a um destino inesperado, cuja história se entrelaça com a encruzilhada de Salgado Filho. Foi ali que, num instante espontâneo, uma simples garrafa de cachaça recebeu o nome de "Flor da Serra", simbolizando essa transição. No alto, além da exaustiva subida da Serra do Tatetos, a vila recém-descoberta se revela como um horizonte promissor. Para os patriarcas e seus filhos casados, ali se desenha a esperança de um futuro repleto de oportunidades e crescimento.

O progresso não demora a chegar: serrarias, pequenos comércios e até mesmo um hotel ganham espaço, promovendo a socialização e impulsionando a economia local. Nos anos 60, o futebol no potreiro era o ponto de encontro da juventude, enquanto a cultura gaúcha era celebrada com danças, músicas e festividades que reinterpretavam velhas tradições.

A igreja se tornava o centro da vida comunitária, onde a fé e a convivência fortaleciam os laços entre os moradores. Assim, o que começou como uma simples parada tornou-se uma caminhada de crescimento e renovação cultural, consolidando o legado das famílias que ali plantaram suas raízes.

Com o passar do tempo, a pequena vila que acolheu os Tecchio transformou-se em um ponto de referência. O comércio floresceu, as serrarias trouxeram empregos, e a cultura italiana se entrelaçou com a brasileira, formando uma identidade singular. No entanto, os valores permaneceram intocados: o respeito pelos mais velhos, à força do trabalho honesto, a fé como guia e a família como alicerce de tudo.

Meu contato com o patriarca foi breve, mas lembro-me vividamente do tempo em que meu pai alugou um armazém de sua propriedade para armazenar produtos durante a safra. Ele e sua família eram clientes frequentes do comércio do meu pai, mantendo uma relação de respeito e cordialidade.

Já a nona, tive a oportunidade de conhecê-la em diversas ocasiões, fosse ao levar-lhe gás, auxiliá-la nas compras ou entregar roupas para que sua filha mais nova consertasse. Figura respeitada na comunidade, ela foi uma das pioneiras na criação do Clube de Idosos, em uma parceria entre os Municípios de Salgado Filho e Palma Sola, muito antes da emancipação de nossa cidade.

Recordo-me de uma antiga foto dela no Centro de Idosos: magra, de óculos, já na terceira idade, com uma expressão que refletia a personalidade de suas filhas.

Conheci algumas delas, entre as quais uma que se dedicou  por um tempo à vida religiosa no Sudeste e hoje vive em nossa cidade, destacando-se por sua espiritualidade e cultura.

Outra, já idosa, retornou à cidade nos anos 2000 e realizou uma viagem memorável a Jerusalém, acompanhada de minha mãe, irmãs e amigos.

Uma das irmãs foi casada com um dos primeiros carpinteiros da Vila, infelizmente ela nos deixou recentemente.

A mais jovem, que assumiu os cuidados dos pais, foi também a primeira prenda do CTG. Mulher ativa e dedicada, era costureira e produzia massas, sempre buscando alternativas para garantir o sustento da família. Seu esposo, servidor exemplar do Poder Público, destaca-se pela empatia, pela simplicidade no trato com todos e pela competência no comando do rolo compactador.

Conheci também alguns filhos dessa família, entre eles o dono do Hotel, um homem bonachão, conhecido pelo seu jeito simpático e pelo fusca azul que fazia parte de sua identidade. Seu sotaque italiano e seu gosto pela Skol "escoleta" eram marcas registradas, assim como o compromisso de sua esposa, uma mulher de baixa estatura e grande força de trabalho, incansável na administração do hotel. Os filhos do casal sempre foram pessoas admiráveis, cujo respeito mantenho até hoje, mesmo que a vida tenha nos afastado com o tempo.

O primogênito era um homem de força impressionante, capaz de mover toras sozinho nos dias intensos de trabalho na serraria, onde meu pai foi sócio por algum tempo. Infelizmente, o fogo consumiu a serraria, pondo fim a um capítulo de muita dedicação e suor. Tive uma amizade próxima com seus filhos, que moravam perto da escola onde sua esposa trabalhava como servente. Era 1975, ano da inauguração da escola, como já relatei na história da família.

Hoje, esse grande homem já nos deixou, mas sua esposa e filhos permanecem na região Norte de Santa Catarina, levando adiante seu legado de trabalho e resiliência. Um de seus filhos, conhecido como Dino, partiu para Rondônia, de onde enviou uma foto para meu pai, mostrando a nova vida que construiu naquela distante região.

O filho mais novo, que um dia sonhou com a vocação sacerdotal, também revelou um talento singular para o canto religioso e a música italiana. Quem poderia esquecer ele e o professor Oreste entoando "Bexiga, bexiguim, bexigão..." nos bares da vila, animando as noites com suas vozes marcantes? Ele, que deslizava os dedos sobre as cordas vocais para dar ainda mais potência à voz. Em busca de novos horizontes, aventurou-se por São Paulo, mas o chamado da terra natal falou mais alto, trazendo-o de volta para casar-se com uma filha da vila.

Dedicado e talentoso, destacou-se como pintor e zelava com esmero pelos canteiros centrais da cidade, tornando-os pequenos refúgios de beleza e cor. Sempre guardarei com carinho sua gentileza e o apoio incondicional que me ofereceu ao longo de minha trajetória política.

Mesmo após minha saída da política, ele manteve-se fiel, sempre buscando minha opinião em questões políticas estaduais e federais. Sua partida precoce foi um golpe doloroso, mas guardarei com afeto o último litro de vinho que sua esposa me presenteou, um gesto de generosidade e sensibilidade que me tocou profundamente.

São muitas as histórias e referências dessa família, mas as mais marcantes são as lembranças da minha infância e adolescência. Naquele tempo, a amizade, o futebol, a fé e a cultura dos bailes no "bolão" ou no CTG eram elementos que transformavam o cotidiano em momentos de união e alegria. O presente era vivido com intensidade, sem a pressa do futuro, e recordar essas memórias é resgatar um passado onde tudo acontecia de forma mais lenta, mas também mais genuína.

Hoje, lutar por algo tão autêntico quanto o passado parece uma tarefa utópica. Muitos ignoram a importância da história, sem perceber que ela é a base para escrever o futuro. Cultura é mais do que tradição; é nutrir e fortalecer as almas daqueles que ainda acreditam em um mundo melhor, mais justo e humano. Nunca devemos esquecer que nossa história é feita de pequenos momentos intensos, que revelam a verdadeira essência da vida.


Raízes na Terra, Sonhos no Céu 🌿

Nos caminhos de terra batida,

onde o sol desenha saudade,

os pés marcavam a lida,

as mãos, suor e verdade.


Polenta quente na mesa,u

m gole de vinho a brindar,

fé bordada em certezas,

a vida no campo a pulsar.


O rádio cantava em dialeto,

no terreiro, um fandango a rodar,

histórias passavam no vento,

no olhar, um eterno lar.


Tecchio, Pazolini, Barbieri, Maran,

sob a bênção do padroeiro,

raízes fincadas no chão,

alma leve no candeeiro.


E na curva do tempo e do vento,

a memória ainda a nos guiar,

pois quem planta amor na terra,

colhe eternidade no olhar.


Um Sonhador, Caminhando com Francisco: Paulo Roberto Savaris é autor de eBooks na Amazon e do Blog Caminhando com Francisco, dedicado à educação, à escrita inspirada na espiritualidade e nos valores de simplicidade e amor ao próximo.

 

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