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☁️✨ Quando o Céu Descia à Vila: Memórias de Fé ✝️, Gasosa 🥤 e Primeiros Olhares 👀💫


— Ô Paulo, lembra da Festa da Padroeira? — gritou Bidico, encostado no portão de madeira, segurando uma garrafa de vinho que ele jurava ser da safra boa de 84.— Se lembro, Bidico? Aquilo não era só festa. Era quando o céu descia à Vila, e a gente virava gente no meio da fé, da fumaça do churrasco e dos risos sinceros.

Ali, naquela nossa querida Vila, o 13 de maio não era uma simples data no calendário. Era como se Nossa Senhora de Fátima pegasse a gente pela mão e nos conduzisse por um caminho de afeto, devoção e descoberta.

Era dia de acordar antes do sol, com o cheiro de mondongo invadindo as narinas e o coração. O nono Furlan, vindo da Coxilha Negra, já vinha no passo firme, vencia os 6 quilômetros com um terço na mão e esperança no peito, só pra ser o primeiro a ser servido.

— Ele dizia que não era só pelo mondongo e a carne, era pelo ritual. E no fundo, a gente sabia: ele era parte viva da reza — completou Schindler, o filósofo entre nós, que via poesia até no tilintar dos copos.

A missa era o ponto alto. A capela, tomada pelas vozes doces de Dona Lurdes Perondi, Dona Pina Perondi, Dona Iva Damo, Dona Vilma Demartini, Dona Irma Dalbosco e Dona Irma Marin... A melodia de “13 de maio, na Cova da Iria” subia como incenso entre as velas acesas e os olhares que choravam sem saber por quê.

Frei Francsico Roldo, com sua voz de trovão manso, nos falava do Evangelho. Padre Leopoldo Meltz, com olhar de avô, fazia a gente pensar na bondade de Maria como se fosse coisa de todo dia. O Batista Maran e o Delvino Righes, primeiros Ministros da Eucaristia, davam ao altar a mesma solenidade que nossos avós davam à mesa.

— E a lembrancinha? — interrompeu Nete Righes, rindo. — Aquele lacinho com alfinete preso na lapela, a gente ficava importante, parecia até gente grande.

Paulo sorriu. Sua irmã Márcia ao lado, segurava a emoção como quem segura uma flor com espinhos.

As mesas? Ah, as mesas! Azuis, com divisórias vermelhas e números rabiscados a pincel. Ali cabiam famílias inteiras, pratos cheios e histórias que nunca acabavam.

O churrasco era sagrado. Espeto de madeira, carne escolhida na madrugada, porque quem chegava cedo levava o melhor. Salada de casa, batata crem em conserva, pão caseiro. Nos copos, gasosa de framboesa — roxa como a infância — e cerveja gelada nos cochos de concreto com gelo em barra, rachado à marreta.

Depois vinha o doce: bolo alto, pudim tremelicando de leve, e sagu como lágrimas doces.

— Mas o melhor mesmo era o que vinha sem ser servido — disse Schapanski. — A cumplicidade, os primeiros olhares, a descoberta de que o coração também brinca.

Itio, que até então só observava com aquele sorriso de canto, arriscou:— E os bilhetinhos, tchê? Aqueles dobrados, passados debaixo da mesa, com “tu quer dançar comigo?” escrito torto… Bah, era coragem de guri e tremedeira de adulto.

Todo mundo riu. Era verdade. Tinha coisa que só se vivia ali.

Zabot, que vinha quieto, limpando os óculos na barra da camisa, completou:— E ninguém olhava feio. Nem o pai bravo. Porque na festa, até os corações mais duros amoleciam um pouco. Era como se a Vila inteira lembrasse que ser bom também era tradição.

Lá estávamos nós: Paulo R. Savaris, Rovani (Bidico) Gritti, Valdecir (Nego Zabot), Nilton Schapanski, Airsão A. Perondi (Itio), Luiz C. Schindler e Álvaro, o “Pedro” Demarini — apelido que brotou do segundo nome, mas floresceu mesmo foi por causa daquela canção do Raul: "Meu amigo Pedro, onde você for eu vou..."

E a gente ia. Juntos. Como se a letra fosse feita pra nós — uma turma que se entendia no olhar, que dava risada até com sermão, que inventava travessuras entre uma Ave-Maria e outra. Colegas de escola, de reza, de pelada no campinho, de sonhos no horizonte. Crescemos entre orações e ousadias, entre o silêncio reverente da missa e o grito empolgado de “mais uma ficha aí, tio!” nas barracas de jogos.

Éramos metamorfoses ambulantes, antes mesmo de saber o que era isso.

Vivíamos entre o respeito aos mais velhos e os arrepios do primeiro olhar trocado no bailinho improvisado — naquele tempo em que a ficha mais valiosa era a da amizade verdadeira, e não a do fliperama.

Os adultos — Meu pai Ernesto F. Savaris, Valter Righes, Gentil Pedron, Joanin Belini e tantos outros — jogavam cartas, mora e 48, com a seriedade de quem disputava o campeonato mundial da amizade. Entre uma jogada e outra, entoavam cantigas em italiano, como quem planta memória em cada verso, fazendo do dialeto uma herança viva que atravessava gerações.

Tudo era presencial, real, tangível. A vida era simples, mas de uma riqueza que nem todo dinheiro do mundo podia comprar.

Não importava o carro, o celular, o tamanho da casa, o saldo no banco. Importava estar. Ser. Compartilhar. Cuidar. Rezar. E, acima de tudo, acreditar.

No fim da tarde, voltávamos pra casa com a alma leve e os bolsos vazios. Mas havia algo ali... Algo que ficava: A certeza de que estávamos sendo formados. Não só como fiéis, mas como pessoas.

Sim, foi ali, nas festas da Padroeira, que aprendemos que o mundo pode ser melhor quando as pessoas são melhores.

Mas hoje...

Quantos ainda acreditam que a beleza da vida está nos gestos simples? Quem ainda se emociona com uma gasosa de framboesa compartilhada em volta da mesa?Quem ainda reza em voz alta, não por medo, mas por gratidão? Quem ainda ensina aos filhos que felicidade não se compra, se vive?

Será que estamos ouvindo demais o barulho das máquinas e esquecendo da canção das velhas senhoras na igreja? Será que trocamos o calor das mãos pelas notificações do celular? Será que ainda sabemos o valor de sentar à mesa, dividir um pão e rir com os amigos até o sol se despedir?

Talvez a festa ainda exista…Mas será que nós ainda existimos nela?


🙏 Um Sonhador, Caminhando com Francisco

 
 
 

2 Comments

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Belíssima história da época 💫⭐🌟🌟

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Época boa todos magrinho 😅😅benza a Deus 😅😅😅

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