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HISTÓRIAS DA VILA DO POVO FELIZ (11): FAMÍLIAS GALUPO, ZABOT E BINSFELD

Atualizado: 21 de fev.


Há tempos atrás a Vila do Povo Feliz se orgulhava de suas famílias sapateiras. Talvez pareça algo retirado das páginas de um conto de fadas, mas nessas terras o sapato era visto como um verdadeiro tesouro, confeccionado com maestria a partir do couro de boi curtido e personalizado de acordo com o gosto de cada cliente peculiar.

Apesar da limitada oferta de modelos, a habilidade e a criatividade dos sapateiros eram cruciais na hora da escolha. A moda não era uma preocupação nessa vila encantada, onde os sapatos e botas seguiam um padrão que todos utilizavam para ir à igreja, ao comércio ou mesmo para o trabalho no campo.

Naquela época, a vila era um verdadeiro centro, onde pessoas de todos os cantos se dirigiam para fazer suas compras. Os agricultores familiares, dotados de terras acidentadas e dependentes de sua própria força de trabalho, encontravam ali uma forma de ter uma vida digna.

A memória dos mais velhos nos traz nostalgicamente a lembrança desses tempos áureos. É verdade que os produtos tinham mais valor naquela época, mas isso é algo a se questionar. A produção era limitada e o que de fato fazia a diferença era o custo de vida baixo, já que a maioria dos bens de consumo eram produzidos nas próprias propriedades. Além disso, não havia despesas com energia, água ou eletrônicos, mas isso é um assunto para outra ocasião.

Enfim, a vida dos nossos sapateiros era algo quase mágico. Eles conseguiram, por meio de seu talento, viver dignamente de uma atividade que, nos tempos atuais, é praticamente inexistente.

É impressionante como o tempo é capaz de transformar as coisas, não é mesmo? Graças às oportunidades comerciais que surgiram, sempre tivemos em nosso povoado esse tipo de profissional especializado. Na verdade, um dos marcos históricos de nossa vila foi a existência de uma selaria, uma profissão vinculada à produção de utensílios para os animais, que eram os meios de transporte na década de 50.

Naquela época idílica dos anos 60 e 70, quando as sapatarias começaram a brotar como cogumelos após a chuva, lembro-me de como algumas delas se estabeleceram ao lado de um bolão da vila, que também funcionava como clube de danças. Uma família corajosa e pioneira decidiu se aventurar nesse campo e permaneceu algum tempo em nossa pequena comunidade. Uma das filhas dessa família estudava comigo na escola primária.

Em busca de novas oportunidades, essa família fez uma permuta com um refinado sapateiro de Santo Antônio do Sudoeste, que passou a ocupar tanto o espaço da sapataria quanto o do bolão.

Não consigo esquecer essa família, pois eles eram um grupo de jovens entusiasmados, com quem compartilhei muitos momentos de estudo. O irmão mais velho, um habilidoso meio-esquerda, tinha um estilo de jogo que rivalizava até com o lendário Mário Sérgio.

Rapidamente, eles se adaptaram ao nosso cantinho, continuando a tradição do negócio de calçados e acrescentando um brilhante tempero ao bolão, onde eu, em troca de geladinhos de Ki-Suco, atuava como armador de bolão em alguns finais de semana.

No entanto, a verdadeira joia na coroa dessa família era sua cultura. Originários de uma cidade já estabelecida, eles trouxeram consigo o inestimável prazer de nos apresentar aos quadrinhos e revistas do Tex e a Revista Placar. Até então, nem desconfiávamos da existência de tais maravilhas.

Serei eternamente grato a eles por compartilharem seus gibis e revistinhas conosco, pois a alegria de mergulhar nas histórias do avarento Tio Patinhas e acompanhar as travessuras dos sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luizinho era incomparável. Além disso, as empolgantes aventuras do Velho Oeste, estreladas pelo valente Tex, nos arrebatavam por horas a fio, bem como as matérias sobre esportes que eu adorava acompanhar.

Joguei muito futebol, principalmente com o irmão mais novo, Tati, que, além de colega de classe, era um amigo fiel. Minha relação com os outros membros da família também era respeitosa, e lembro-me com carinho de uma das moças, que chegou a trabalhar no posto telefônico local, estrategicamente localizado em frente à sua casa.

Infelizmente, nos anos 80, a vida na vila tomou um rumo diferente. Assim como todos os moradores, essa família teve que se reinventar em busca de novas alternativas. O comércio de sapatos já não rendia como antes e a concorrência se intensificou. Por isso, decidiram partir rumo à próspera região calçadista do Rio Grande do Sul, em busca de novas oportunidades.

Ah, aquela época encantadora, onde as sapatarias bailavam ao lado do bolão e onde a cultura dos quadrinhos era um tesouro. Só me resta dizer que sou eternamente grato a essa família por ter me mostrado um mundo de diversão e por ter compartilhado comigo momentos de amizade verdadeira.

A despedida sempre traz um aperto no coração, especialmente para aqueles que ficam para trás. Naquele tempo, desconhecíamos o impacto de uma crise e não podíamos sequer sonhar com outras possibilidades além do nosso próprio cantinho.

Por sorte, essa família estava melhor preparada para se adaptar, visto que já trabalhava no ramo, o que facilitou bastante sua reinvenção em outro lugar. Recentemente, escutei a incrível história de uma ex-moradora daqui, que recebeu honrarias por sua maestria como sapateira, agora aposentada. Lembro-me dela na adolescência e consigo imaginar os desafios que enfrentou ao se encaixar em uma nova vida, abandonando um lugar que, apesar de todas as dificuldades que enfrentávamos, nos permitia experimentar a liberdade, para então trabalhar em uma máquina com horários rigorosos. No entanto, fico contente em ver que ela saiu vitoriosa.

Tenho certeza de que essa família também obteve sucesso em suas empreitadas. Já vi nas redes sociais que o talentoso canhoto passou pela região e o filho do meio nos visitou quando eu ainda estava na Prefeitura. Quanto aos outros, presumo que estejam bem. A vida é uma constante ida e volta, e o mais importante é encontrarmos satisfação no que fazemos.

Embora haja lembranças do lugar onde crescemos, também há uma pontinha de tristeza por ele não ter suprido nossas necessidades naquele momento, o que nos levou a buscar novos horizontes. Porém, isso agora é apenas uma memória. O que importa é o presente e a história que construímos em nossa pequena vila.

Durante esse mesmo período, um sapateiro de ascendência alemã chegou à vila. Ele era natural da mesma região de onde Taffarel, o famoso goleiro da seleção brasileira, nasceu, e estava casado com a filha de uma família local estabelecida.

Apesar de ter uma deficiência em uma das pernas e precisar usar muletas para se locomover, esse senhor possuía um talento extraordinário que garantia uma clientela fiel. Tive o prazer de conhecer bem esse senhor e sua família, já que éramos colegas de estudo e até jogávamos bola juntos.

No entanto, devido ao declínio econômico da vila, eles decidiram se mudar para Francisco Beltrão, em busca de novas oportunidades para a profissão e uma vida melhor para seus filhos. Venderam seus equipamentos e ele foi trabalhar em uma sapataria tradicional da cidade, onde permaneceu até se aposentar.

Infelizmente, o casal já faleceu, mas seus filhos continuam morando no mesmo local. O destino, esse maestro misterioso que nunca se contenta em ser apenas acaso, nos surpreendeu mais uma vez.

Quando solicitamos um serviço para nosso sítio em uma empresa pública, fomos presenteados com um encontro inesperado. Quem poderia imaginar que o responsável por essa área seria o filho do senhor com quem compartilhei tantas memórias?! O tempo passou para nós dois, mas as lembranças permaneceram vivas em nossos corações.

E como se isso não fosse o bastante, como se fosse uma coincidência cósmica, nossa família embarcou em uma viagem para Aparecida - SP e, no ônibus, encontramos a estimada esposa desse mesmo senhor.

Esse encontro prova mais uma vez que, quando nos conectamos através de boas energias, a divindade suprema se encarrega de trazer de volta o que é valioso para nós.

Encerro essa história homenageando essas famílias, verdadeiros guerreiros que lutaram para conquistar seu lugar ao sol. A jornada rumo à felicidade pode ter sido difícil, com muitos sacrifícios, mas a profissão que escolhemos, aquela que traz alegria e nos coloca a serviço dos outros, é sempre nobre.

Não importa se somos artesãos do couro ou do conhecimento, homens ou mulheres, pois a grandiosidade de nossa arte não conhece limites. Esses exemplos familiares nos mostram que, mesmo quando nossos horizontes parecem estreitos, nunca devemos suprimir a coragem de buscar algo maior. Afinal, o que realmente importa é construir uma vida digna e repleta de orgulho.

Em nossos corações, guardamos o brilho de tempos áureos, em que o simples se transformava em grandeza nas mãos habilidosas dos artesãos do couro.


Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/

 


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