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HISTÓRIAS DA VILA DO POVO FELIZ (20): FAMÍLIA BORTOLINI

Foto do escritor: caminhandocomfrancisco.com/ caminhandocomfrancisco.com/

Atualizado: 21 de fev. de 2024



Na década de 60, aportou na encantadora Linha Pedra Lisa e na acolhedora Vila do Povo Feliz uma família descendente de imigrantes italianos vinda de Marau-RS, com o intuito de encontrar novas oportunidades para sua prole abastada.

Sabendo que o trabalho no campo era o seu exímio dom, eles se aventuraram nas íngremes porém produtivas terras da região, uma verdadeira dádiva para expandir suas atividades e acomodar os muitos membros da família.

Mas essa linhagem italiana tinha uma peculiaridade que a diferenciava das demais: para além do típico cultivo de milho e feijão, eles decidiram mergulhar de cabeça na produção de suínos e, principalmente, na delicada arte da vinicultura.

Ergueram um vasto vinhedo, tornando-se um dos maiores da região, e em sua espaçosa adega produziam vinho artesanalmente, utilizando um lagar onde as uvas eram gentilmente pisoteadas pelas jovens senhoritas dessa família.

Logo em seguida, as preciosas uvas eram cuidadosamente acondicionadas em mastéis para fermentação e envelhecidas em barris de madeira para serem consumidas e comercializadas ao longo do ano.

Essa família exemplar, seguindo os costumes ancestrais, não se contentava apenas com a produção de vinhos. Em sua extensa adega no porão do casarão, também curavam salames e queijos, destilavam a adorada graspa e até mesmo produziam sabão caseiro utilizando os resíduos do abate dos porcos.

O período da colheita das uvas e da produção do vinho se tornava uma festa memorável, onde todos se empenhavam em dar o melhor de si, desde o raiar do sol até o entardecer, com paradas estratégicas para degustar um café matinal reforçado, um digníssimo almoço e um revigorante café vespertino, sempre regados a muito pão caseiro, chimia, queijo, copa, salame e, é claro, o divino néctar do barril, servido do garrafão fresquinho direto da fonte d'água para manter-se na temperatura ideal para ser apreciado nos calorosos verões em que a colheita era realizada.

Essa família incrível que vou mencionar teve o privilégio de cruzar o meu caminho. Conheci-os através dos estudos e da amizade com o famoso "Nani Bortola”. Também tive a sorte de morar perto de um dos filhos mais velhos e uma das filhas, assim como do casal que, na sua velhice, escolheu viver próximo de nossa casa.

O trabalho e a fé eram os alicerces que impulsionavam essa família amorosa na sua busca pela excelência. Com mãos robustas e uma visão aguçada para os negócios, eles estavam sempre à procura de oportunidades que possibilitassem expandir as fronteiras do acesso à terra para seus filhos. Afinal, quando esses filhos se tornassem adultos, eles precisariam de seus próprios espaços para proporcionar uma vida digna às suas famílias.Pouco a pouco, o patriarca ia adquirindo pedaços de terra, criando assim um legado para seus filhos do sexo masculino. Já para as filhas, era comum receberem como herança um enxoval, uma máquina de costura e uma vaca leiteira, caso optassem por seguir os passos da agricultura.

Recordo-me vividamente da inauguração da gruta da Linha Pedra Lisa, na segunda metade da década de 70. Esse marco representou a realização de um sonho para um ser incrível, cuja história contarei em breve.

O proprietário do local, movido pela promessa de fazer um pequeno santuário à Nossa Senhora Aparecida para ajudar seu filho que sofria de epilepsia, uniu-se à outra família da Linha Pedra Lisa, igualmente engajada social e religiosamente, digna de ser eternizada em meus escritos.

A espera por essa festa foi longa e ansiada. Lembro-me de uma placa de madeira escrita com tinta vermelha afixada próxima à capela da Vila, anunciando o evento. Essa placa permaneceu guardada por anos debaixo do balcão do antigo pavilhão.

Naquele domingo, meus pais, meus irmãos e eu partimos logo cedo em uma F-350 vermelha, ansiosos para participar da missa e da inauguração, além de conhecer a famosa gruta.

O acesso era árduo, mas definitivamente valeu a pena, pois tivemos o privilégio de explorar as cavernas e contemplar os pensamentos que surgem quando a natureza revela toda a sua grandiosidade. Além disso, pudemos admirar a água que descia em cascata diante da entrada principal.

Ao meio-dia, desfrutamos de um delicioso churrasco sob as copas das árvores, em um agradável piquenique.

Foi nesse momento que me deparei com uma família numerosa, que havia chegado à festa em uma picape amarela reluzente. O motorista, o filho mais velho, o casal na cabine e o restante da família no compartimento de carga cantavam e celebravam aquele momento especial.

Observei de longe que eles se serviam do churrasco e ainda compartilhavam o vinho que haviam levado de casa, passando-o de mão em mão para todos que integravam aquele grande clã reunido.

Essa imagem ficou gravada em minha mente, pois retrata de uma maneira peculiar o modo de vida e as tradições dos imigrantes italianos, que são passadas de geração em geração, mantendo vivas suas raízes.

Na Vila do Povo Feliz, durante o período decadente do início dos anos 80, quando a peste suína e a mecanização agrícola começava a se tornar realidade, vimos um a um dos agricultores e dos moradores da vila deixando o lugar. No entanto, esse casal corajoso e seu filho mais novo se mantiveram firmes em seus propósitos.

Eles resistiram bravamente até que acabaram vendendo suas terras e adquirindo uma bela casa na Vila. Adquiriram, um reluzente Opala 4 portas com câmbio na direção, que agora era dirigido pelo filho mais novo, que o utilizava não apenas para levar seus pais a igreja e em passeios, mas também para se divertir nas festas e encontros com suas namoradas.

Apesar dos desafios econômicos da época decorrente do Plano Collor, o casal conseguiu manter-se na Vila, graças às suas reservas financeiras. Todos nós sabemos como aquele período foi desastroso para quem tinha alguma reserva depositada em bancos.

Mas eles eram persistentes. Enquanto o filho mais novo encontrou trabalho em Francisco Beltrão, se tornando meu colega na República 100 comentários e, depois, em uma nova república com um colega de trabalho, seus pais permaneceram na Vila.O senhor, já idoso mas ainda cheio de vigor físico, cultivava uma grande variedade de leguminosas, verduras e frutas em seus terrenos. Além disso, prestava serviços de poda e manutenção em parreirais pela vila, inclusive na casa da minha mãe.

Após algum tempo, a nona nos deixou, sendo cuidada amorosamente por uma de suas netas, minha comadre, a quem ela chamava carinhosamente de vovó.

Com o falecimento da esposa, esse senhor decidiu vender sua propriedade e se mudar para ficar mais próximo de suas filhas em outro município da região.

Infelizmente, em sua avançada idade, ele também veio a falecer. Um dos seus filhos e uma filha decidiram permanecer na Vila por mais algum tempo, e alguns familiares ainda residem na cidade até hoje.

Em particular, eu desenvolvi uma ótima relação com um dos filhos dessa família, um gringo, forte e determinado, que também era um fervoroso torcedor do Grêmio e jogador do segundo time do Botafogo local.

Ele abandonou suas ferramentas de agricultura para se dedicar à marcenaria. Até hoje, tenho comigo a lembrança dele em meu sítio, que é realçada por uma bela mesa e estante que adornam o memorial de nossa família.

O marceneiro honrou a tradição familiar que precedeu a sua, da qual já descrevi a história. Após adquirir a marcenaria em parceria com um tio, que também compartilhava as peculiaridades características de sua família, inclusive possuindo também um Opala verde e a mesma maneira de ser que seu irmão, cuja história estou retratando hoje.

Embora fossem sócios, apenas o marceneiro exercia a atividade. Lembro-me de sua imensa criatividade, especialmente na produção de barris para armazenar vinho e couro curtido, que foram sua especialidade por muito tempo.

É claro que suas habilidades eram abrangentes, mas com o declínio da vila, sua ocupação também se tornou escassa, e ele teve que buscar novos caminhos. Inicialmente, rumou para o Mato Grosso, onde seu irmão mais velho e outros familiares foram morar, mas depois de um tempo retornou e embarcou em uma nova empreitada em sociedade, que durou por algum tempo antes de ser dissolvida.

Frente a essa nova realidade, ele tomou uma decisão firme: mudar-se para o Rio de Janeiro e trabalhar na área da construção civil. Enquanto isso, deixou seus familiares na Vila e visitava-os de tempos em tempos para matar a saudade e verificar como as coisas estavam indo.

Com o passar do tempo, ele decidiu fixar residência definitiva na cidade e, para sua alegria, seu filho mais novo também decidiu se estabelecer nas terras cariocas, assim como seu neto e meu afilhado. Pelo que pude acompanhar de longe, eles formaram suas próprias famílias e estão vivendo felizes em seu novo lar.

Entretanto, sua ex-esposa e alguns filhos ainda permanecem na Vila, no mesmo local. Cada um está buscando seu próprio espaço. É admirável ver essa senhora, que agora já está idosa, com uma determinação incrível ainda cuidando daquelas terras vizinhas, inclusive da nossa família onde em forma de parceria produz feijão e abóboras...

Esses alimentos são cultivados com todo o amor de uma senhorinha que encontramos com frequência, tomando seu mate em frente à sua casa, sentada em uma cadeira de descanso.

Provavelmente, ela está refletindo sobre a dificuldade de sua jornada, desde sua vida em Mondai, em Santa Catarina, até sua chegada à íngreme Linha Pedra Lisa.Mesmo com todas as dores que a vida lhe impôs, em especial a recente perda de uma de suas filhas, ela demonstra uma força e determinação admiráveis.

O caminho que percorreu certamente não foi fácil, mas essa senhorinha continua a enfrentar os desafios com coragem. Sua história é um exemplo de superação e perseverança que nos inspira a também enfrentar as dificuldades da vida com a mesma força e determinação.

Essa narrativa não só ressalta o esforço e luta dessa família, mas também destaca a importância das relações familiares e a capacidade de adaptação diante de uma nova realidade.

É inspirador ver como, mesmo distantes geograficamente, a família continua conectada e se apoiando mutuamente. É uma prova de que o amor e os laços familiares podem superar qualquer obstáculo e nos fortalecer ainda mais.

Esse relato nos lembra que, mesmo diante dos desafios da vida, é possível encontrar alegria e felicidade. Por mais difíceis que sejam as circunstâncias, a determinação e o amor podem transformar nossa jornada e nos guiar para um futuro melhor. E nos mostra que, mesmo envelhecendo, nunca é tarde para sonhar, encontrar um lar e construir uma nova vida.

E, acima de tudo, ela nos ensina que, independentemente de nossas origens e dores passadas, é possível cultivar o amor e a esperança, e com isso, florescer em meio às adversidades.

Essa família sem dúvida conquistou um lugar especial no meu coração, não só pela lealdade e companheirismo dos filhos, que foram meus alunos e me apoiaram durante minha época como Prefeito da hoje cidade, mas também pelo apoio reconfortante do vigoroso zagueiro e marceneiro no dia da morte do meu pai. Ele me amparou em seu braço durante o cortejo que levou meu querido velho ao seu descanso final.

A vida é cheia de histórias, mas são os momentos de amor desinteressado que realmente deixam uma marca profunda em nós. Sinto falta desse senhor e lamento não ter podido ajudar para que ele permanecesse entre nós no já Município.

No entanto, sempre encontro alento no fato de que Deus tem controle de tudo, e se permitiu que isso acontecesse, provavelmente era o melhor para o sucesso desse senhor e seu filho e neto, não importa onde estejam agora.

Tenho a certeza de que, mesmo à distância, eles carregam consigo os valores enraizados em seu ser desde o berço, que os moldaram para enfrentar as dificuldades da vida. Afinal, a verdadeira felicidade reside naqueles que fazem muito com pouco, pois o fardo que carregamos é sempre dimensionado de acordo com nossa capacidade.


Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/

 

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