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HISTÓRIAS DA VILA DO POVO FELIZ (56) - FAMILIA PIMENTEL (1)


As lembranças das atividades no campo e a coragem pioneira de lidar com o gado permaneciam enraizadas na identidade dos moradores do sudoeste, que se aventuraram nos primórdios da região, contribuindo para o progresso da Província do Paraná. O governo imperial, visando impulsionar o desenvolvimento, oferecia terras gratuitamente às famílias pioneiras em busca de uma vida digna para suas gerações futuras. Apesar dos desafios e dificuldades, como comércio distante, comida escassa e habitações precárias.

Os pioneiros destemidos que exploraram o sudoeste da região de Palmas, demonstraram bravura ao chegar na Vila do Povo Feliz no final da década de 1950. Antes disso, tiveram que desbravar o caminho pelo sudoeste sem se deixarem intimidar. 

Acostumados com a vida de desbravadores, o jovem casal não se assustou com a ideia de criar uma família em um novo ambiente de possibilidades de crescimento. Embora o cenário não fosse encantador à primeira vista, havia algo peculiar que motivava os recém-chegados: a promessa de transformar terras inexploradas em locais férteis para o plantio de grãos e pastagens para criação de gado. Movidos pela esperança de um futuro próspero, esses pioneiros, assim como outras famílias, deixaram para trás seus lares em busca de melhores oportunidades para construir uma vida digna para as gerações seguintes.

Essa família de origem portuguesa trazia consigo um legado de tradições que se mesclavam com as dos moradores nativos de Palmas, onde a devoção ao Divino Espírito Santo era um apoio fundamental para uma população às voltas com as agruras da vida. Ao incorporar sua fé e costumes à rica cultura gaúcha, os membros dessa família valorizavam os princípios básicos para uma existência digna: fé inabalável, trabalho árduo e integridade, imergindo-se na vida rural e nas tradições locais.

O patriarca, de imponente presença física e sempre calçando suas botas de cano longo, logo se tornou uma figura de autoridade na vila, em tempos em que as disputas eram frequentes, especialmente por questões de divisas não demarcadas e conflitos interpessoais, muitas vezes intensificados pelo álcool e pela busca por reconhecimento social.

Apesar de residirem um pouco distantes da vila, eles mantinham uma forte conexão com o comércio local. Sua imponente morada situada no topo da serra do Tatetos era conhecida como um refúgio acolhedor. Inicialmente construída em madeira e posteriormente em alvenaria, com janelas espelhadas, era uma das primeiras casas assim na vila, erguida pelo habilidoso Pedreiro "Escurinho". Tive a sorte de ser vizinho desse construtor, conhecido pelo apelido relacionado ao jogador do Internacional, time do qual era um fervoroso torcedor. Suas comemorações apaixonadas às vezes resultavam em conflitos e até brigas físicas.

Nessa casa familiar viviam o casal e seus seis filhos - cinco piazitos e uma guria. Recordo-me vividamente de como os mais velhos vinham para a escola a cavalo e como foram os primeiros fornecedores de leite na vila. Um suporte feito de pano listrado na garupa do cavalo acomodava os litros de leite que entregavam nas casas, incluindo na minha, já que éramos clientes fiéis.

Na minha infância, era comum me reunir aos domingos com os filhos do meio em grupos de meninos para jogar bola na casa dessa família. Lembro-me especialmente de um dos filhos, da minha idade, sempre rindo e transbordando alegria durante nossas partidas no campo improvisado no potreiro.

Uma lembrança que me veio à mente é a de um elegante vestido azul de babados, que outrora pertenceu à filha deles e acabou sendo adquirido por minha mãe. Sua excentricidade em relação ao nosso guarda-roupa habitual o tornou uma peça única e especial para minha irmã mais velha.

Uma das memórias mais marcantes que tenho é sobre a nossa chegada na Vila. Embora meus pais já tivessem morado na Linha Santo Ângelo quando eu nasci, não tínhamos muitos conhecidos na região. No primeiro domingo após nossa mudança em 1971, meus pais decidiram ir à igreja. Um senhor atencioso percebeu que éramos novos na área e logo se aproximou do meu pai. A conversa entre os dois fluiu tão naturalmente que meu pai o convidou para almoçar conosco. O papo foi tão agradável que se estendeu até a noite, resultando em uma amizade duradoura e uma parceria comercial, já que passaram a nos fornecer leite diariamente.

Essas lembranças não apenas ilustram momentos felizes da minha infância, mas também ressaltam a importância das conexões que fizemos ao longo da vida, tornando cada experiência ainda mais significativa.

Com o passar do tempo, esse homem corajoso e decidido decidiu se aventurar na difícil função de subdelegado. A mediação de conflitos e a aplicação da lei em situações onde o Estado não estava presente demandavam uma grande dose de abnegação em prol da ordem pública. No entanto, para esse senhor, era motivo de grande honra e satisfação exercer essa função desafiadora.

A antiga cadeia “prisão”, situada no cruzamento de duas ruas próximas à nossa casa, consistia em tábuas entrelaçadas e uma enorme fechadura e cadeado. Sem ventilação adequada ou condições sanitárias, era um local de punição para os transgressores que se entregavam aos excessos de bebida ou cometiam pequenos furtos.

Passar uma noite na cela era tempo suficiente para refletir sobre seus erros e considerar se valia a pena repeti-los no futuro. Embora fosse uma tarefa difícil, o subdelegado enfrentava as inimizades que surgiam em nome da manutenção da ordem na vila, algo impensável nos dias de hoje. O voluntarismo daquela época certamente resultaria em uma série de processos judiciais nos tempos atuais.

Em um determinado momento de expansão da pecuária, o patriarca da família alugava terras na região da Coxilha Negra para a criação de gado. Era comum ver, em manhãs ou tardes tranquilas, a tropa passando pela vila, conduzida pelos habilidosos tropeiros com seus sinuelos e cães pastores garantindo a segurança do rebanho. Essa atividade campeira era o que mais se destacava na rotina dessa família, apaixonada pelo manejo do gado e pelo arremesso do laço.

A paixão pela tradição gaúcha era um forte pilar social na vila, mas inicialmente voltada para a dança e outros esportes. Foi a partir do envolvimento dessa família, e de outras que compartilhavam o mesmo amor pelo estilo de vida campeiro, que a prática se tornou uma atividade essencial e emblemática no contexto do CTG local.

Assim, a construção da campeira do CTG não foi apenas um projeto, mas sim uma evolução natural e orgânica dessa cultura, unindo o passado rural com o presente da comunidade de forma criativa.

O amor pela tradição gaúcha, representada pelo uso da bombacha e do lenço, moldou o papel de liderança tanto do Patriarca quanto de seus filhos no CTG.

Esta cultura rica e duradoura, que permanece forte e inspiradora mesmo em meio aos tempos modernos, é baseada nos valores fundamentais da família, da tradição e da honra.

O filho mais velho, antes conhecido por sua habilidade como dançarino e laçador e pelo seu trabalho em fazendas no Mato Grosso, teve sua vida drasticamente alterada por um ato violento que o deixou paralisado da cintura para baixo.

No entanto, sua resiliência e determinação o transformaram em um advogado brilhante, presidente ativo da APAE local, palestrante e escritor de meu blog e defensor apaixonado dos direitos das pessoas com deficiência.

Sua história inspiradora nos ensina que mesmo diante dos desafios mais difíceis, é possível encontrar novos caminhos através do amor e do perdão.

Este gaúcho, agora limitado fisicamente, mas sempre ativo e solidário, continua a honrar sua cultura e a causar um impacto positivo na sociedade por meio de seu trabalho incansável pela APAE e no CTG.

O casal, já partiu deste plano, sem dúvida deixou um legado de valores para seus filhos. Eles ensinaram que tradições com propósito devem ser preservadas, para que as novas gerações entendam que o caminho até aqui foi trilhado com base em convicções sólidas.

Nada aconteceu ao acaso; cada conquista veio do esforço, da dedicação e muitas vezes do sofrimento físico e das renúncias que a vida impõe.

O patriarca era conhecido na Vila por sua preferência pela cerveja Kaiser, mesmo quando a maioria optava por outras marcas.

Sua essência, suas botas lustrosas, sua F-1000 e suas histórias dos campos de Palmas ficaram gravadas na memória de muitos. Já a matriarca, uma mulher simples e gentil, era como um bálsamo em tempos turbulentos, conseguindo acalmar as tempestades com sua presença serena.

Os filhos herdaram essas qualidades, que alternam de filho para filho, mantendo a essência de seus pais, presentes em cada decisão e em cada gesto. E assim, o legado da família continua a ser honrado com respeito e gratidão, como um testemunho da sabedoria e do amor transmitidos ao longo das gerações.

Hoje, de longe, observo com admiração essa família. Um dos filhos mais velhos, que antes dedicava seus dias a uma empresa tradicional da cidade, agora se tornou um apaixonado pela música gaúcha. A filha, que se tornou professora e vive na mesma cidade, foi minha colega no Programa de Desenvolvimento Educacional. Mesmo com a distância, reconheço a importância que cada um deles tem na comunidade.

Enquanto os demais permanecem em nossa cidade, cuidando da propriedade da família e da fazenda em Palmas, mostrando seu comprometimento com nosso lar. A transformação da nossa querida Vila em Município não foi fruto do acaso, mas sim do incansável esforço de muitas mãos ao longo dos anos.

Aqueles que vivem no presente têm a responsabilidade moral de honrar o passado, preservando suas bases e aprimorando o que já provou ser eficaz. O desenvolvimento verdadeiro não ocorre pela destruição, mas sim pela valorização do que veio antes, com respeito por toda a história que nos moldou.

Embora haja inúmeras histórias para contar sobre essa família, as memórias que se destacam agora são aquelas que celebram o que cada um contribuiu e continuará contribuindo para deixar sua marca no tempo.

Estamos em constante evolução, e cada ato, movimento e olhar que temos refletem quem somos e o potencial que temos para alcançar o futuro desejado.

Continue lendo a inovação do blog a partir dessa narrativa: Cada história de torna uma poesia...

Paulo Roberto Savaris – Um Sonhador Caminhando com Francisco e Autor do https://www.caminhandocomfrancisco.com/blog


Apêndice poético:"Vila do Povo Feliz: Memórias que Transbordam Esperança e Coragem"

A Vila do Povo Feliz,

onde o tempo dança ao som da memória,

é palco de histórias gravadas em cheiros,

em vozes que o vento carrega,

em imagens que o coração guarda.


Lá, o domingo se vestia de poeira e suor,

onde crianças, em campos improvisados,

plantavam risos que floresciam eternos.

As botas lustrosas do patriarca,

o balançar dos litros na garupa,

e o aroma do pão quente ao amanhecer,

eram mais que gestos rotineiros;

eram ecos de resiliência,

partilha,

fé.


Ouço ainda os tropeiros na estrada,

suas passadas lentas misturadas ao canto dos pássaros,

e o murmúrio na venda,

onde a amizade germinava em saudações simples,

crescendo forte como a raiz da araucária,

transformando estranhos em família.


A casa no alto da serra,

a cela esquecida na esquina,

a dança no CTG sob as estrelas...

Tudo isso se tece em nós,

um bordado de superação e raízes.

Somos feitos de histórias,

de gestos que nos desafiam,

de amor à terra e ao outro.


Hoje, em silêncio,

meu olhar repousa na Vila,

não como quem vê o passado morrer,

mas como quem o sente pulsar.

Cada tijolo erguido,

cada gota de suor caída,

cada sorriso compartilhado,

tornaram-se o alicerce de algo maior:

uma identidade,

um legado,

um canto de vida que ressoa na alma.


A Vila do Povo Feliz é mais que terra;

é um poema,

é um lar eterno,

que nos inspira a sermos melhores,

a honrarmos o que foi,

e a construirmos o que ainda será.

 

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