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HISTÓRIAS DA VILA DO POVO FELIZ (54) - FAMÍLIA GUIMARÃES (1)


Um empreendedor visionário, que vai além dos simples negócios, enxerga na educação o caminho para a consciência e libertação pessoal. Se analisarmos o período entre os anos 1950 e início dos anos 1980 em nosso país, nos deparamos com eventos que moldaram a atual trajetória nacional - mudanças nas leis trabalhistas, abertura econômica, uma ditadura militar, a luta pela liberdade e restabelecimento da democracia.

Na época, a educação ainda engatinhava e o empreendedorismo estava fortemente ligado à agricultura. Uma família gaúcha desembarca em terras férteis, na Vila do Povo Feliz, que estava em pleno desenvolvimento devido à exploração desenfreada das matas para dar lugar a lavouras.

Enquanto alguns membros da família permaneceram no Rio Grande do Sul, o Patriarca e alguns de seus filhos encontraram moradia em uma tranquila vila. Ali, decidiram se aventurar no ramo comercial, em frente à primeira igreja da vila, que mais tarde viria a ser propriedade de meus pais. Foi nesse ambiente que passei toda a minha infância e adolescência, história que ainda haverei de narrar com mais detalhes.

Enquanto alguns dos familiares exploravam outras atividades, um membro do clã optou por estabelecer-se na movimentada Linha Bonita "Altaneira", um local cheio de promessas e oportunidades para um futuro próspero e brilhante.

Ali, ele deu início à sua empreitada comercial, contando com a ajuda de seus filhos adolescentes. Após um tempo, decidiu mudar-se para a vila, mesmo concorrendo com seus irmãos no ramo dos famosos secos e molhados.

Não houve discordância, mas sim a introdução de mais uma opção comercial para os moradores da Vila. Demonstrando visão empreendedora, ele expandiu seus negócios para a suinocultura e produção de grãos.

Foi nesse período que meus pais chegaram à linha Santo Ângelo, com o incentivo dele e sua esposa. Eles foram fundamentais para que meus pais se estabelecessem, desde o primeiro fogão a lenha até as primeiras mercadorias para começar a atividade comercial.

Este episódio é marcante e somos extremamente gratos, pois em um momento anterior à ditadura militar, ele e meu pai exerciam a vereança em Constantina - RS, sendo ele mais alinhado à direita e meu pai um brizolista do grupo dos 11.

Apesar das posições políticas contrárias, a amizade e o respeito entre eles prevaleciam, provando que as relações sociais eram mais importantes do que as opiniões políticas.

Mesmo sem muita instrução formal, a cordialidade e a visão de futuro sempre estiveram em primeiro plano para esse empreendedor visionário.

O empreendedor inovou na suinocultura, modernizando a atividade e tornando a vila um polo de empregos, obtendo premiações significativas em feiras da região, com um plantel de suínos para reprodução de alta linhagem, que permitiu ficar conhecido no sudoeste e extremo oeste catarinense com a venda de animais para melhoria genética nas propriedades rurais,

Enquanto isso, investiu na educação dos filhos, enviando-os para estudar em cidades maiores, um gesto incomum para a época. O orgulho desse pai era evidente, principalmente quando um dos filhos decidiu estudar Medicina.

Tenho vivas memórias daquele estudante de medicina que costumava retornar à vila nas férias, chegando com seu humilde Chevette para expressar seu amor pela comunidade.

Ele participava animadamente das atividades de lazer, como as pescarias no rio Manoel Velho e os jogos de futebol pelo time local, o Botafogo.

A presença de Tite e Luizinho nos encantava aos domingos, transformando os jogos no campo de terra cercado de pinheiros em verdadeiras festas. Graças a esses dois craques e mais uma constelação de estrelas, o nosso glorioso time do Botafogo conquistou o maior título de sua história.

Recordo com carinho dos momentos felizes que vivenciamos ao prestigiar a equipe local, com a trilha sonora animada do rádio do seu Abílio, os inigualáveis pastéis da Dona Maria, a impecável organização da copa pelo seu Aldo e as jogadas geniais do Lajeano com sua famosa joelheira. Sem falar na presença divertida e inusitada do Mário, o dentista que se aventurava como árbitro.

Atualmente, este ilustre médico possui propriedades em nosso município, estabelecendo de forma permanente sua conexão com o local que foi palco de sua infância e juventude.

Inquestionavelmente, o legado deixado por esse visionário inclui a visão empreendedora e a dedicação em oferecer oportunidades de estudo para seus filhos.

Tive a chance, já nos últimos dias de sua atuação no ramo da suinocultura, de realizar alguns fretes com nossa F-350 vermelha. Em certos momentos, era necessário um veículo com maior capacidade de carga, pois ele, com sua impecável D-10 amarela, realizava a maioria das entregas.

Assim como a maioria dos moradores da Vila, os anos 80 trouxeram consigo inúmeras dificuldades. Embora tenha iniciado outros empreendimentos, a atividade de suinocultura foi afetada pela peste suína e pelas políticas governamentais da época, o que inviabilizou seus negócios.

Com o passar do tempo, ele acabou vendendo a área onde ainda podemos ver os vestígios de um grande barracão de armazenamento, uma fábrica de rações e o principal chiqueiro.

Cada vez que passo por aquela região, lembro-me desse senhor calvo, de bigode, com uma postura firme e respeitosa, que, sem dúvida alguma, me ajudou a enxergar o mundo através dos valores do trabalho e da honestidade, assim como meus pais.

No primeiro Natal após o meu nascimento, nossas famílias se reuniram para celebrar juntas. Curiosamente, eles também tinham um bebê, nascido três meses após mim. Essa "pequena" bebê hoje é uma renomada professora, com quem tive o prazer de trabalhar no Núcleo Regional de Educação em Francisco Beltrão.

Nossa ligação vem de longa data, desde os tempos em que estudávamos juntos e brincávamos muito no ensino fundamental.

Naquela época, eles moravam bem perto da nossa casa, cuja imagem permanece viva na minha mente. Apesar de todos serem torcedores do Grêmio, a casa tinha uma tonalidade vermelha marcante.

A estrutura da casa era imponente, com dois pisos e um porão. Lembro-me vividamente da escada que levava aos quartos no andar de cima, com um espaço peculiar para armazenar panelas que chamava a atenção pela sua criatividade.

Havia outra escada que levava ao porão, onde se encontrava o banheiro, a área de serviço e a garagem.

Com o passar dos anos, a família se dispersou, restando apenas o pai e um dos filhos que retornou para empreender na área de contabilidade.

Mais tarde, ele se tornou meu professor, junto com sua esposa, e de muitos outros colegas da vila.

Assim como a política estava entrelaçada na história de nossas famílias, nossos pais foram figuras políticas no querido Rio Grande do Sul, meu professor e eu, como herdeiros dessa linhagem, escolhemos seguir o mesmo caminho.

O filho dessa família foi vereador por vários mandatos em Salgado Filho, com a liderança dele e de outros líderes, contribuiu para a fundação do nosso Município.

Ele foi eleito como o primeiro prefeito de Flor da Serra do Sul e exerceu essa função púbica por mais duas vezes.

Seguindo seus passos, eu também ocupei cargos importantes, como vereador e prefeito do nosso amado Município.

Caminhamos juntos por anos, compartilhando ideais em prol do bem-estar coletivo e do desenvolvimento de nosso lugar, representado simbolicamente pelo prédio da prefeitura.

Apesar das críticas iniciais, a comunidade unida construiu o prédio em menos de três meses, partindo da subprefeitura original.

Essa conquista histórica deve ser preservada como um memorial em homenagem aos que moldaram nossa história e mudaram a vida de todos nós que aqui vivemos.

Na minha jornada na política, fui orientado pelo patriarca desse clã um sábio conselheiro e segui meu caminho com dignidade e convicção, assim como ele que voltou às suas raízes comerciais.

Com o tempo, ele se retirou para um sítio próximo, onde veio a falecer com a sensação de missão cumprida.

Sua visão empreendedora e a importância que dava à educação de seus filhos marcaram sua vida de forma grandiosa. Após sua partida, sua esposa também nos deixou, deixando lembranças preciosas.

Mesmo que os caminhos tenham se separado, guardo com carinho essas lembranças que enriqueceram minha vida.

Do mais velho dos seus filhos, um executivo exemplar da antiga Telepar, que trouxe honra a toda família ao exercer uma nobre função em toda a região sudoeste.

Sua filha mais velha, por sua vez, brilha hoje junto com sua família no mundo encantador do circo, espalhando alegria por todos os cantos do nosso país.

As filhas mais novas se destacam como grandes profissionais da educação, sendo uma delas aniversariante no mesmo dia da minha saudosa mãe.

Seu filho mais novo, por sua vez, foi um entusiasta da nossa agricultura, que me apoiou imensamente durante o meu primeiro mandato.

Foi graças a ele que conseguimos introduzir a inseminação artificial para bovinocultura de leite, trazer os primeiros tratores e equipamentos para os grupos de agricultores e inaugurar as primeiras agroindústrias do Município, entre tantos outros programas inovadores desenvolvidos em prol da agricultura local.

Com inteligência e dedicação, essa família se destacou em diversos setores, cada um deixando sua marca de sucesso e realização.

Apesar das diferenças que nos afastam no cenário político atual, retrocedendo aos tempos em que nossos pais trilhavam caminhos opostos, desejo expressar meu sincero agradecimento pela bela jornada que compartilhamos juntos.

Nossa trajetória é definida pela reverência mútua e permanecerá indelével diante da passagem do tempo.

Estou convicto de que meus genitores, assim como os arquitetos desta saga, compartilhariam do mesmo sentimento, caso estivessem entre nós.

A existência é efêmera e o que realmente importa é conservarmos a integridade e a dignidade, a fim de honrar a memória daqueles que nos precederam.

Este relato, que foi postergado em sua narração, é de suma importância em minha jornada, repleta não somente de acertos, mas também de equívocos, e inegavelmente, em se tratando de memórias, muitas narrativas são imprecisas, porém simbolizam o desejo de enaltecer o que de bom foi edificado em cada geração como legado.

Não cabe a nós julgar, pois acredito que, como seres espirituais com livre arbítrio, colhemos o que plantamos.

A liberdade é preciosa e deve ser preservada, pois é fruto da democracia e das escolhas que fazemos.

Cada um deve carregar seu próprio fardo, confiando que Deus nos dá forças para isso.


Paulo Roberto Savaris - Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/

 

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