As famílias italianas eram mestres na arte da comunicação, onde o som das suas vozes parecia ter o poder de encantar e mover o universo ao seu redor.
Suas canções alegres, suas fervorosas orações do terço e o meticuloso preparo da polenta, que precisava ter a consistência perfeita para ser cortada com precisão, eram marcas registradas dessas famílias.
Nada era desperdiçado, o que não fosse consumido no jantar se transformava em um delicioso café da manhã com salame e queijo, preparado delicadamente no tradicional fogão à lenha.
A importância da alimentação era vital, pois proporcionava a energia necessária para enfrentar as longas jornadas no campo, arando a terra e plantando milho, feijão e trigo com determinação.
O pão, símbolo de sustento e resistência, era reverenciado como o maná no Deserto, representando as lutas e a força das famílias italianas.
Na aura das tradições italianas, surge a história cativante de um casal que desafiava estereótipos com sua dinâmica singular.
Ele, um italiano imponente, com voz potente e botas reluzentes, ela, uma senhora de pequena estatura, cabelos encaracolados e energia invejável.
Poucas são minhas lembranças, mas uma em especial se destaca: o patriarca desta família compartilhava o mesmo nome do meu padrinho de batismo, residente na Linha Santo Ângelo.
Ambos Pedro, como aquele a quem foi concedido o poder de abrir e fechar as portas do além, era possível que fossem parentes, prática comum na época de dar o mesmo nome a primos, sem conflitos, por falta de comunicação e os santos católicos como referência.
Rumo à Vila do Povo Feliz nos anos 60, essa família cheia de sonhos e origens gaúchas desembarcou, determinada a encontrar sua independência.
Estrategicamente posicionada em frente à grande madeireira e ao Posto de Fiscalização local, abriram um Bar e balão para receber os funcionários da serraria e os transeuntes que passavam pela movimentada via principal.
Naquela época, toda a movimentação entre Barracão, Marmeleiro e Palma Sola passava pela agora Avenida Francisco Perondi, que se desdobrava a partir da Rua Cristhiano Bender.
Os dias de chuva tornavam a viagem ainda mais desafiadora, com longas filas de veículos se formando em ambas as ruas, tendo que enfrentar uma serra a ser atravessada para seguir em frente.
Durante aquela época, era costume recebermos algumas moedinhas, nós crianças, para ajudar a empurrar os carros. Com o dinheiro recebido, íamos aos bares da vila comprar doces ou pequenos brinquedos.
A lembrança mais marcante que guardo é de um brinquedo em formato de bombinha, feito de plástico, que ao pressionarmos um pistão fazia um pequeno estouro e unicamente era encontrado no comércio de propriedade do protagonista dessa narrativa,.
Lembro-me vividamente de como era: todo construído em madeira, sem pintura, envelhecido pelo sol e pela chuva.
A casa dos proprietários ficava ao lado do bar, com a entrada adornada por arbustos e flores. Dentro do bar, havia grandes balcões de madeira, uma famosa vitrine, baleiros e bancos para os clientes se acomodarem. Também havia mesinhas para jogos de carta como quatrilho, bisca, 3/7...
Essas memórias são um tesouro que guardo com carinho, recordações de uma infância simples, porém repleta de encanto.
Relembro com maior vivacidade o casal e seus últimos três filhos da família, já que os demais irmãos eram um pouco mais velhos e já buscavam oportunidades em locais diferentes.
Os meninos, que eram da minha faixa etária, eram companheiros de escola, de futebol e até mesmo de experiências como aprendizes de mecânico.
Cheios de energia e sonhos, os jovens enfrentavam o desafio de uma Vila que já não oferecia tantas oportunidades.
Foi então que, no final dos anos 70, a família tomou a decisão de vender a propriedade e se mudar para Francisco Beltrão, onde as portas se abriram para os estudos e novas possibilidades.
Os pais foram recebidos com afeto, contando com o suporte dos irmãos mais experientes - uma irmã que trabalhava no setor de móveis, mantendo as tradições europeias da família no nome da empresa, e um irmão que atuava na venda de caminhões.
Com o exemplo dessas lideranças, os demais integrantes da família foram se inspirando e buscando alcançar novos patamares em suas vidas.
Um dos meus colegas, por exemplo, iniciou sua carreira no setor imobiliário e, posteriormente, assumiu a gestão de uma empresa de sucesso em Francisco Beltrão, especializada na produção de óleo vegetal.
Já os mais jovens optaram por seguir a carreira jurídica, uma escolha desafiadora na época devido à distância das faculdades e à necessidade de conciliar estudos e trabalho.
No entanto, com muito esforço e apoio da família, eles conseguiram conquistar seus sonhos profissionais e hoje são nomes respeitados no campo do Direito onde residem.
A última lembrança que guardo do patriarca remonta aos memoráveis anos 80, quando eu ainda estudava em Francisco Beltrão.
Em um dia qualquer, enquanto passeava pelo centro da cidade, me deparei com a figura imponente daquele senhor.
Não trocamos nem mesmo uma palavra, mas sua presença era inconfundível próximo a uma revenda de carros, gesticulando com entusiasmo, calçando suas botas de sempre e exibindo seu característico corte de cabelo "escovão". Essa imagem ficou gravada em minha mente de forma indelével.
Quanto à senhorinha, desde então nunca mais a vi, mas sua imagem permanece vívida em minhas lembranças. Seus cabelos já grisalhos, seu vestido floreado com tonalidades cinzas.
Ambos acredito já tenham partido desta vida e certamente desfrutam de um lugar no paraíso, como recompensa por suas batalhas e demonstrações de fé durante sua passagem por aqui.
Mais tarde, em uma visita à loja da família, enquanto eu morava em uma república de estudantes, coube a mim comprar uma estante, adquirida justamente naquele estabelecimento.
Anos mais tarde, após o falecimento de minha mãe, decidi doar a estante a uma família do interior de nosso município, como forma de preservar sua memória e honrar sua história.
Os encontros com os rapazes eram sempre uma oportunidade para relembrar os tempos da Vila, os obstáculos superados e as conquistas alcançadas.
Era gratificante ver os nativos brilhando em outros locais, ocupando seus merecidos lugares.
Esses eventos nos mostram que, como seres nômades, precisamos sempre estar em movimento.
Quando ficamos presos a lugares e pessoas, perdemos a noção do tempo e fechamos as portas para novas oportunidades.
É importante ter raízes e manter tradições, mas elas não devem nos aprisionar ou nos impedir de voar mais alto.
Nossos avanços pessoais não beneficiam apenas a nós mesmos, mas também aqueles ao nosso redor e a sociedade como um todo.
Nessa família, percebo ainda fortes laços com os moradores e ex-moradores da Vila.
Essa ligação não se baseia apenas em amizades, mas também na confiança mútua e nos interesses comuns.
Isso demonstra que a história da Vila é enraizada em valores sólidos, como o trabalho honesto e a fé, e continua viva através das novas gerações.
Apesar da distância que nos separa, as memórias ainda vivas me transportam de volta para um período fértil em nossas vidas, marcado pela gratuidade e simplicidade.
A catequese, os jogos de futebol nos campinhos da Vila (especialmente aquele embaixo do pé de chorão, onde jogávamos com o filho do Fiscal da Vila) eram momentos de união e compreensão mútua, onde as diferenças eram deixadas de lado em prol do jogo e da diversão.
À medida que o tempo avança, é o que deixamos para trás que realmente importa. Chamamos isso de legado - não precisa ser grandioso, mas sim memorável o suficiente para nos fazer lembrar que cada um de nós tem importância, não importa nosso status ou posses.
No final da nossa jornada, o que resta é quem somos de verdade. São nossos gestos, não nossas realizações, que verdadeiramente enobrecem o ser humano.
Pense na incrível capacidade dessa modesta família em transformar um simples bar em um legado de força e união.
Quando questionados sobre como enfrentaram os desafios, a resposta é clara: eles compreenderam que o progresso estava em seu próprio poder. Compartilhando sua ajuda com os outros, eles construíram uma vida sólida e resoluta.
Esta é a lei da vida: ninguém é privado de oportunidades se estiver disposto a agir com desapego, honestidade e o desejo de forjar seu próprio destino.
Tudo o que plantamos será colhido - apenas o trigo maduro se destaca no meio do joio.
Nossas escolhas determinam nosso caminho, pois possuímos o livre arbítrio, dado por Deus.
Mesmo nas tempestades da vida, sempre haverá momentos de calmaria. É no silêncio e na paz interior que encontramos as respostas para o desconhecido, talvez até garantindo a eternidade.
Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/
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