Em tempos passados, a proteção das comunidades do interior era uma tarefa voluntária, em que um destemido indivíduo enfrentava seus medos e garantia a ordem como Inspetor designado pela Prefeitura.
Com o tempo, o cargo passou a ser conhecido como subdelegado, nomeado pela secretaria de Segurança do Estado, uma função de grande responsabilidade repassada pelo governo estadual.
A infraestrutura era simples, com pequenos espaços de madeira reforçados por travas de ferro e cadeados imponentes para manter os fora da lei sob controle, até que fossem transferidos para a prisão da cidade ou apenas passassem a noite para aprender uma lição.
Os acessos aos locais dos acontecimentos eram feitos a cavalo ou em veículos próprios, sem qualquer tipo de reembolso.
As algemas improvisadas eram, muitas vezes, simples cordas, o que levava a situações inusitadas. A pessoa detida poderia ser amarrada a uma árvore até que o subdelegado fosse buscar ajuda para levá-lo à prisão.
Era comum que o detido conseguisse se soltar, escapando antes da chegada do reforço e deixando apenas uma lembrança na mente do subdelegado.
Em outras situações, os responsáveis por pequenos furtos ou travessuras, como adicionar pedras às sacas de feijão para aumentar o peso, eram obrigados a desfilar pelos locais com os produtos do roubo ou da travessura, em uma espécie de punição que trazia vergonha não só para eles, mas também para suas famílias.
Na história que compartilho hoje, destaco um dos bravos subdelegados que se dedicaram a essa importante função, sem receber sequer uma compensação mínima pelo trabalho árduo.
Além do incômodo provocado na própria família, esses homens precisavam estar sempre atentos em locais públicos, pois corriam o risco de serem alvos de meliantes em busca de vingança.
O Gaúcho de São Martinho, com seu jeito descontraído de falar alto, era conhecido por toda a Vila por suas conversas animadas durante as chamadas no PS Local.
Com uma família de tamanho médio, ele deixou sua terra natal para expandir suas atividades agrícolas, adquirindo terras na Linha São Francisco interior de Dionísio Cerqueira e estabelecendo residência na Vila.
Tive a honra de ser amigo e colega dos filhos desse adorável casal durante os nossos tempos de escola.
Tenho lembranças incríveis, especialmente de um deles, um ótimo goleiro no futsal que fazia parte do nosso time, os Piriquitos. Juntos, conquistamos troféus nas quadras de concreto no interior de Palma Sola e Marmeleiro, com ele defendendo pênaltis como ninguém.
Além disso, nos divertia nos risotos entre amigos, cantando de um jeito engraçado após alguns tragos de vinho, Ouvi o toque da sanfona me chamar da Elba Ramalho.
O casal, por sua vez, era extremamente acolhedor. Em sua casa, nos recebiam sempre com um delicioso peixe e momentos animados à mesa.
Suas histórias sobre os desafios superados na região eram inspiradoras. Já as noites regadas a vinho e risotos entre amigos nos proporcionavam momentos inesquecíveis. A combinação de música, esporte e boa comida tornava nossa amizade ainda mais especial.
Desde sua chegada, ele conquistou muitos amigos. Mesmo em meio ao bipartidarismo, ele tinha sua bandeira erguida, mas isso não o impedia de ser amigo de todos.
Com o passar do tempo, seus filhos concluíram o Ensino Médio e resolveram seguir rumo a Francisco Beltrão para trabalhar em um Frigorífico, sendo os pioneiros nesse caminho que logo atraiu uma leva de jovens, inclusive a mim.
Os filhos mais novos decidiram ficar um pouco mais, mas o caçula se aventurou como garçom em São Paulo e depois partiu para os EUA..
Essa jornada deixava o casal nostálgico, mas ao mesmo tempo orgulhoso das aventuras do filho mais novo.
Os demais filhos seguiram os passos do pai e tiveram sucesso como empreendedores em Francisco Beltrão e em outras localidades. Assim como ele, que foi subdelegado no período final como Distrito e no início do município, eles também prosperaram no ramo da segurança (monitoramento).
Ele exercia sua função com paixão, mesmo diante das limitações da pequena estrutura, localizada onde hoje se encontra a renomada Lanchonete Picanha Grill.
Utilizava o seu próprio carro para garantir a ordem na Vila, onde o único policial era conhecido pela voz fina, mas respeitado por sua força.
Essa parceria era essencial para conter os pequenos problemas que surgiam na comunidade, como furtos, bebedeiras e invasões de animais em propriedades.
Todos sabiam que o policial e o subdelegado estavam sempre atentos, agindo como personagens de uma comédia regional. Com frases como "esteja catraqueado" e "cala boca seu bobageira", mantinham a Vila sempre em paz.
Com a emancipação, o subdelegado decidiu apoiar o candidato que não venceu a eleição, porém era alinhado com o Governo do Estado.
Recebeu a permissão para continuar disponibilizando um espaço e um veículo gol chaleirinha azul, com o emblema da Polícia Civil. O que deveria ser um avanço acabou se tornando um problema para o chefe de segurança local.
A parceria com a Prefeitura era essencial para o funcionamento do sistema, mas como essa decisão não contou com a aprovação do novo prefeito, ele não reconheceu a autoridade e não prestou nenhum suporte.
Isso resultou em dificuldades para abastecer o veículo e manter um escrivão.
No entanto, o gaúcho não desistiu imediatamente. Com o passar do tempo, sua determinação foi diminuindo até que sua posição foi ocupada por outro cidadão indicado pelo prefeito.
Essa mudança marcou sua vida, mas não causou ressentimentos, pois logo depois o prefeito se alinhou ao partido do subdelegado e a situação se resolveu.
Eles se tornaram amigos, mostrando que na política tudo pode acontecer, inclusive resultados positivos.
Após o ocorrido, o gaúcho seguiu sua vida em comunidade, sempre engajado com o CTG e o esporte da bocha, sua grande paixão.
Ele era conhecido por ser brincalhão e fácil de se relacionar, participando da equipe local nos Jogos Abertos. Com o passar do tempo, sua propriedade rural foi incorporada ao perímetro urbano, cedendo parte dela para a construção de um Conjunto Habitacional próximo ao Colégio Municipal.
Com a venda da área, ele expandiu suas atividades, mantendo sua propriedade rural no interior enquanto seus filhos seguiam seus próprios caminhos.
Já quase nonagenário, ele circulava pela vila em seu Santana, dirigindo devagar e causando algum receio nos que cruzavam seu caminho, pois a condução já não era sua habilidade mais forte.
Pouco antes da pandemia de Covid-19, ele mudou-se para Francisco Beltrão, próximo aos filhos, já bem avançado na idade.
Apesar dos desafios da saúde, tanto ele quanto a esposa se mantém fortes, confiantes e conseguem levar as suas vidas em harmonia.
Quando relembro dessa família, não consigo evitar de visualizar um verdadeiro filme no estilo gaúcho clássico.
Com sua música, dança, vestimentas e modo de falar típicos, eles carregam as tradições do passado de forma autêntica, mostrando como o tempo influencia, mas não apaga, as raízes de um ser.
E ao observar as aventuras desse senhor como subdelegado, é impossível não questionar como alguém pode assumir tal responsabilidade do estado sem receber qualquer tipo de recompensa, apenas acumulando inimigos pelo caminho – e ainda assim, fazer tudo com fervor.
A resposta, sem dúvida, reside em sua vocação para servir e em seu desejo de contribuir para a paz e ordem do local em que vive.
Na rica história da nossa Vila, não podemos esquecer aqueles dedicados indivíduos que altruisticamente se empenharam em benefício da maioria pacífica que habitava nosso vilarejo.
A narrativa perdura e, como um de seus próprios filhos proclamou, "ouvi o toque da sanfona me chamar", que a passagem para a eternidade demore a reunir-se com esse amável casal.
Tive o privilégio de chamá-los de amigos e os admiro profundamente, assim como seus familiares, com quem sempre mantivemos uma relação cordial e solidária.
Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/
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