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HISTÓRIAS DA VILA DO POVO FELIZ(38) - FAMÍLIA MARCON


A primeira professora é uma figura inesquecível, que nos guia com amor e habilidade pelos caminhos do conhecimento.

No primeiro ano de escola, mergulhamos em um mundo de descobertas, cercados por livros que nos convidam a evoluir.

Nessa fase de puro encantamento, recordamos com carinho as lições dadas com dedicação e cuidado, que permanecem vivas em nossa memória.

É essencial termos bons professores, que nos conduzam com sabedoria e sensibilidade, abrindo nossas mentes para novas possibilidades.

É assim que nos tornamos pessoas melhores, prontas para enfrentar o mundo com coragem e determinação.

Recordar esse período é reviver um tempo irrecuperável, porém fundamental para pavimentar o caminho rumo a gloriosas conquistas futuras.

É a base sólida que nos permite construir e reconstruir ao longo da vida. A evolução em todas as esferas é crucial, mas a evolução do pensamento é primordial, pois nos liberta de mitos, arcaísmos e tradições ultrapassadas, evitando cair na armadilha da literalidade e nos permitindo enxergar além.

Os protagonistas deste enredo, assim como a maioria dos habitantes de nossa Vila, partiram do Rio Grande do Sul em busca de novas oportunidades para prosperar materialmente e garantir o futuro de suas famílias.

Suas raízes estão ligadas à mesma região dos meus pais, e eles seguiram os passos de parentes que já haviam se estabelecido no comércio na Vila e na Linha Altaneira.

Essa família influente, que ainda hoje exerce grande influência em nossa cidade, deixou sua marca na história.

Minha memória me leva de volta ao distante ano de 1974, quando entrei como "encostado" na escola por ser muito novo.

Com apenas 6 anos, dei meus primeiros passos como aprendiz na Escola Municipal Nei Braga.

Minha primeira professora foi a senhora Zelinda Marcon, seguida por sua filha de apenas 16 anos no segundo semestre.

Lembro-me vividamente das letrinhas traçadas com uma caneta verde, que eu precisava reproduzir para aprender o alfabeto e as vogais.

Os pequenos desenhos e a cartilha com os pescadores Mestre Zeca e Mestre Juca, completamente diferentes da nossa realidade, foram essenciais para eu conseguir reproduzir minha primeira frase como leitor.

Foi um momento marcante e indelével em minha jornada educacional, que moldou o meu caminho rumo ao conhecimento.

 

O início da jornada escolar é um momento encantador, onde temos a oportunidade de nos conectar com pessoas diversas e desenvolver empatia ao perceber que o mundo nem sempre é justo.

Recordo-me de dois jovens colegas, irmãos, ambos com cerca de 12 a 13 anos de idade e de ascendência africana, cujos pais eram funcionários da renomada Granja Conceição.

Eles estavam deslocados em relação à faixa etária padrão de nossa turma, mas eram gentis e dóceis, quase como figuras paternais ou professores auxiliares.

Enfrentavam dificuldades de aprendizagem, mas demonstravam uma perseverança inspiradora. Seus nomes, que remetiam à Padroeira de nossa Vila e ao Pai de Jesus, permanecem gravados em minha memória.

Às vezes me pego divagando sobre o paradeiro deles. Será que fui preconceituoso em algum momento, agindo de forma inadequada por conta da cor da pele deles? Eles, por sua vez, talvez tenham dominado apenas a arte de escrever seus próprios nomes.

No entanto, suas presenças marcantes e personalidades incomparáveis jamais se apagarão da minha mente.

Nas aulas, ocupávamos as carteiras duplas em uma turma multisseriada, compartilhando o espaço com o 2º ano.

Por sermos os mais baixos, nos sentávamos na primeira fileira, e eu, com minha visão monocular, sempre me posicionava de forma estratégica, com o olhar indo da direita para a esquerda em direção ao famoso quadro negro.

Meu colega de carteira, geralmente um menino que hoje é motorista da saúde do Município, tinha um talento incrível para desenhar bicicletas.

A parte de dentro da capa do meu caderno era repleta desses desenhos memoráveis, que guardei por muitos anos até que se perderam.

Sair de casa para a escola era um momento cheio de conselhos da minha mãe, especialmente para tomar cuidado ao atravessar a “faixa” BR.

Eu saía impecavelmente vestido com uma camisa branca, um guarda-pó, calça azul marinho e conga azul e minha pequena pasta.

Meu cabelo estava sempre bem penteado e eu sempre dava um tchau antes de seguir em frente.

Sinto saudades da inocência e do brilho nos olhos que eu tinha na busca pelo conhecimento, nos encontros com os colegas e a professora.

A professora se desdobrava entre duas turmas e ainda tinha que lidar com a merenda. Enquanto isso, nós, alunos, íamos ajudar na faxina geral aos sábados.

Lembro-me de um dia em que, por sermos pequenos, improvisamos um cabo de vassoura na alça do balde para carregar água do poço próximo ao Pavilhão da Igreja.

Este poço, construído pela empreiteira responsável pela terraplanagem da BR, é uma valiosa reserva de água protegida por uma laje que, embora não aparente, permanece ali para qualquer eventualidade.

A professora mencionada na narrativa, ao passar suas responsabilidades para a filha, decidiu abrir uma loja de roupas na parte inferior de sua casa, uma extensão da loja de roupas de seu filho que também atuava no ramo em Salgado Filho.

Foi uma iniciativa que a Vila ansiava e sem dúvida foi bem-sucedida durante o tempo em que esteve ativa.

Lembro-me nitidamente do ano de 1978, quando o jogador Batista do Internacional participou da Copa do Mundo na Argentina, vestindo a camisa número 17.

Como não havia camisa da seleção brasileira disponível, minha mãe comprou um calção branco e uma camisa do Inter com o número 17 na loja da professora, um presente memorável para um apaixonado torcedor do time.

O patriarca que era subprefeito da Vila, era uma figura imponente - alto, elegante, com uma fala serena e uma empatia admirável.

Sempre cordial, honrado e hábil no diálogo, ele buscava a conciliação, especialmente em questões como disputas de divisas de terrenos na Vila.

Nos dias chuvosos, lá estava ele, de enxada em punho, aprimorando o escoamento das águas para garantir que as vias públicas permanecessem em perfeitas condições.

Além disso, com sua caligrafia impecável, emitia os Alvarás de Licença e entregava os carnês de IPTU e demais taxas municipais.

Minha lembrança desse homem é extremamente positiva, ele ocupava um lugar de destaque na comunidade.

Com o passar dos anos, os filhos do casal foram deixando a Vila gradualmente. Alguns já haviam trilhado seus próprios caminhos anteriormente, e com a decadência evidente do local, os demais também seguiram em busca da independência.

Um dos filhos, que trabalhou por um tempo com meus pais, era motorista de um Chevrolet D-60 azul.

Era um jovem muito simpático, que acabou se casando com uma professora.

O filho mais novo foi motorista de caminhão por muitos anos, um rapaz cheio de energia que nos deixou cedo demais.

Outro filho trabalhou no ramo da contabilidade com um parente, enquanto as suas irmãs se mudaram para cidades vizinhas, como Realeza e Francisco Beltrão.

Minha professora, que substituiu sua mãe, também partiu para outra cidade e depois retornou para se casar com um rapaz da Vila, cuja trajetória, assim como a de sua família, é digna de ser contada em outro momento.

Inicialmente, ela trabalhou no Posto Telefônico e, com a emancipação, voltou a lecionar, tornando-se Diretora e fazendo parte da equipe pedagógica da Secretaria Municipal de Educação até sua aposentadoria.

Na década de 80, os patriarcas tomaram a decisão de se mudar para Salgado Filho, levando consigo sua filha mais nova, para próximo de um dos filhos já estava estabelecido na cidade, atuando no ramo comercial.

Foi nesse cenário que minha esposa deu os primeiros passos no mundo do trabalho aos 13 anos de idade, sob a orientação desse empreendedor.

O patriarca passou a trabalhar como motorista de caminhão da Prefeitura atuando na área urbana, conduzindo um Chevrolet caçamba D-60 branco, e às vezes um azul.

Mais tarde, o veículo foi repassado para a Prefeitura de Flor da Serra e conduzido por um saudoso parente do prefeito da época.

Nos anos 2000, o filho que atuou no ramo comercial em Salgado Filho decidiu retornar por um período à nossa cidade onde havia vivido sua infância e adolescência.

Com seu jeito pacífico, herdado do pai, ele assumiu com brilhantismo o cargo de Secretário de Obras, Viação e Urbanismo do Município.

Os progenitores, que após se aposentarem-se, voltaram para o já Município. Infelizmente, ele faleceu logo em seguida, mas minha querida primeira professora viveu por muitos anos mais.

No entanto, seus últimos dias foram marcados por uma dolorosa batalha contra a demência, que roubou seu brilho e sua capacidade intelectual e de se relacionar, algo que sempre foi seu ponto forte.

É difícil entender como a vida pode ser tão cruel, especialmente depois de uma vida dedicada a criar os filhos, na fase em que poderia desfrutar de uma aposentadoria tranquila.

Não nos cabe julgar tais acontecimentos, já que o controle está além de nossas mãos.

Resta-nos apenas a gratidão pelas boas memórias e ensinamentos recebidos dessa família querida, que soube sempre respeitar as diferenças e viver em harmonia com seu tempo, optando pelo diálogo construtivo em vez de alimentar a discórdia.

Eles nos ensinaram que, em um mundo cheio de imposições e divisões, a verdadeira sabedoria está em praticar a humildade e promover um ambiente mais humano e justo.

Que possamos um dia encontrar respostas e compreensão além deste mundo terreno.


Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/

 

 
 
 

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May 30, 2024
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