Em meio à agitada Vila do Povo Feliz dos anos 60, onde o movimento de caminhões e ônibus era constante devido ao transporte de madeira e passageiros, surgiu a oportunidade de abrir um hotel.
Os hotel dessa família era uma verdadeira obra arquitetônica de dois andares, com os quartos no andar superior e a cozinha equipada com um imponente fogão a lenha nº 05 no andar debaixo.
Além disso, havia o restaurante e o espaço de convívio da família proprietária. O banheiro, localizado externamente, era uma fossa seca (patente), com um espaço para o banho em uma pequena sala de madeira ao lado.
O chuveiro era um galão com registro na parte inferior, acionado após despejar água quente no recipiente no inverno, e água do poço no verão.
Tomar banho era um luxo reservado para os mais exigentes, enquanto os mais desapegados conseguiam se virar sem ele, principalmente no inverno.
Os leitos eram simples, onde os colchões de molas e os lastros de borracha proporcionavam um sono revigorante. Com travesseiros de pena de ganso e cobertas de lã de ovelha, as noites eram sempre aconchegantes e quentes.
Naquele tempo, cada tarefa era realizada manualmente, o que exigia a participação de todos os membros da família. Cozinhar, assar a carne, cortar lenha, arrumar camas, lavar lençóis... um trabalho intenso, especialmente nos dias chuvosos, quando o hotel estava lotado.
Foi nesse contexto que uma família de alemães, vinda das terras do jogador "Dunga", no Rio Grande do Sul, chegou à vila para deixar sua marca.
Embora não me lembre dos patriarcas, sempre que visito o cemitério, passo por seus túmulos assim como pelos de outros moradores antigos, para honrar suas histórias e enviar uma oração.
Gosto de visitar cemitérios, pois a tranquilidade do local me permite refletir sobre minha própria finitude, além de me aproximar da história local.
O auge do hotel ocorreu nas décadas de 60 e 70, mas a chegada da BR e a melhoria das estradas levaram os clientes para outras cidades.
Uma das filhas se casou e mudou-se para Marmeleiro, onde construiu sua própria história, como contei em outro relato da vila onde seu marido é personagem.
Tive o privilégio de compartilhar experiências com um dos filhos dessa mulher incrível durante sua gestão como gerente regional de uma empresa pública.
Ele foi um grande parceiro nas demandas do município. Também guardo lembranças da filha, que começou sua carreira na área contábil, trabalhando por anos em uma prefeitura e hoje desfruta de sua merecida aposentadoria.
Quanto ao outro filho do patriarca, não tínhamos muito contato, mas lembro dele sempre vivendo no local onde o antigo hotel foi reformulado em um único piso.
A imagem que me vem à mente é a de um senhor magro e idoso, que todos os dias ia para a área em frente onde hoje é creche municipal com uma enxada nas costas. A plantação de milho, mandioca, feijão e melancia sempre foi uma presença constante naquelas terras.
Na metade dos anos 80, esse senhor já estava aposentado, mas não conseguia ficar parado. Enquanto a nona já não consigo mais visualizar em minha mente, ambos já partiram deste mundo.
Um dos filhos deles e neto dos patriarcas, que morou por muitos anos na linha Pedra Lisa, era um agricultor casado com uma integrante de uma família cuja história também já contei.
Esse casal, com sua típica personalidade alemã, era inconfundível em sua maneira de falar e agir. Tive o privilégio de compartilhar muitos momentos com eles.
Mesmo que nem sempre as coisas tenham corrido como esperávamos no mundo da política, as lembranças felizes permanecem.
Ainda que não tenhamos tido a oportunidade de caminhar juntos em todos os momentos, guardo com carinho as vezes em que fui acolhido em sua casa na Linha Pedra Lisa.
Atualmente, eles vivem na cidade e aproveitam a aposentadoria participando do Clube de Idosos e contribuindo para a comunidade.
As lembranças que tenho de seus filhos, bisnetos dos precursores, são realmente gratificantes. A filha mais velha foi da mesma turma de minha irmã e, junto com o marido, tornou-se uma liderança exemplar em sua comunidade.
Juntos, contribuímos para a construção do Pavilhão de sua comunidade, e agora as filhas e tataranetas dos hoteleiros não apenas fazem parte do corpo funcional do Legislativo Municipal, mas também se destacam pela competência com que desempenham suas funções públicas. Além disso, estão sempre em busca de aprimoramento acadêmico.
Já a filha do meio, que morava em outra comunidade, sempre foi prestativa e engajada em ações coletivas. Ela e o marido até doaram terras para a construção de um campo, algo importante para as famílias daquela comunidade.
O filho homem mais velho, outrora aprendiz sob minha tutela, agora exerce com maestria a função de servidor público na seara da segurança.
Por sua vez, o caçula, assíduo seguidor de meu blog e também ex-aluno, revela sua sagacidade e curiosidade ao explorar a arte da cutelaria em suas postagens, exibindo um talento e engenho fora do comum.
Ao observar o progresso alcançado por esses jovens desde os dias em que eram estudantes tímidos, reflito sobre o poder transformador da educação.
Graças à escola e aos seus talentos naturais, eles superaram as barreiras da timidez e trilharam um caminho de sucesso, marcado pela determinação e pela crença na honestidade, honra e respeito ao próximo.
O esforço e a persistência os levaram a conquistar seus objetivos terrenos, e hoje, esses ex-alunos são verdadeiros exemplos de superação.
Não há dúvidas de que suas vitórias foram conquistadas com muito suor e lágrimas, mas hoje eles colhem os louros do sucesso, provando que é possível triunfar quando nos abrimos para as oportunidades que o mundo nos oferece.
Se tivessem permanecido em sua terra natal, talvez estivessem trabalhando como agricultores, uma profissão digna, porém cada vez mais desafiadora nas pequenas propriedades das áreas íngremes onde cresceram.
O patriarca, sem sombra de dúvidas, foi um influente precursor, tanto que seu nome está imortalizado em uma das principais ruas da cidade, que passa em frente ao Colégio Estadual.
Durante a visita de um bisneto vindo do Rio Grande do Sul, tive a gratificante oportunidade de acompanhá-lo em uma jornada pela história de seu antepassado.
Com carinho e respeito, ele fotografou as placas que homenageavam seu parente, visitou o cemitério onde o casal repousa em paz e até mesmo teve a chance de conhecer outros parentes, descobrindo mais sobre suas raízes familiares.
Uma bela demonstração de apreço e valorização da história que os une.
Esta história é como uma jornada pela memória, repleta de nuances e detalhes que me fizeram lembrar da importância dessa família.
Suas ações, marcadas pela fé, pelo trabalho e pela socialização, foram fundamentais para elevar a vila ao status de próspera.
Seu legado ficou gravado na história, sendo imortalizado através da nomeação de uma rua no município.
Durante meu primeiro mandato como Prefeito, em parceria com o Secretário de Indústria, Comércio e Planejamento, Evandro César Perondi, tivemos a oportunidade de resgatar a história de diversas famílias e homenageá-las, mantendo viva a tradição de reconhecer aqueles que contribuíram para o desenvolvimento da hoje cidade.
A importância desse gesto vai além da simples denominação de ruas, é uma forma de honrar e valorizar os verdadeiros protagonistas da nossa história.
É gratificante perceber que tanto o poder legislativo quanto o executivo continuam a valorizar e manter essa prática, que é tão significativa e relevante para as gerações mais jovens.
É importante que eles possam compreender o motivo por trás dessas homenagens, mesmo que não seja possível homenagear a todos de forma justa.
Sempre é tempo de reconhecer aqueles que fizeram história em nosso lugar, permitindo que os descendentes entendam o legado deixado por seus antepassados.
Lembrar é demonstrar gratidão, homenagear é justificar essa gratidão. Todos nós somos parte de uma sociedade e, de alguma forma, contribuímos para o desenvolvimento do lugar em que vivemos.
A beleza de Deus está justamente nisso, permitindo-nos evoluir mesmo diante dos erros, desde que tenhamos a capacidade de nos auto avaliar e aprender com o passado.
É essencial deixar de lado as desculpas e assumir a responsabilidade por nossas ações, buscando sempre evoluir como seres humanos.
Manter-se preso a tradições ultrapassadas e a comportamentos arcaicos não condiz mais com os valores atuais.
Agradeço a essa família por me lembrar que, assim como um grão de areia, quando nos unimos podemos construir obras que tornam o mundo um lugar melhor.
Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/
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