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HISTÓRIAS DA VILA DO POVO FELIZ (33) - FAMÍLIA CENATTI

Foto do escritor: caminhandocomfrancisco.com/ caminhandocomfrancisco.com/

Um casal italiano que apreciava um copo de vinho, trazia vitalidade e preenchia sua casa com inúmeras histórias encantadoras.

No passado, as famílias italianas tinham o costume de iniciar o dia com uma refeição reforçada, composta por café robusto, pão fresco assado em forno de barro, salame, queijo, polenta brustolada e, é claro, um copo de vinho.

Essa refeição substancial permitia que os trabalhadores enfrentassem o árduo trabalho na atividade agrícola desde o amanhecer até o meio-dia, com energia renovada.

E, muitas vezes, por volta das 10 da manhã, faziam uma pausa para uma “fetta” de queijo e salame e um copo de vinho, para recarregar as energias.

Neste cotidiano as famílias não apenas cultivavam e colhiam para se sustentar, mas também produziam excedentes para trocar por itens essenciais como sal, querosene e tecidos para fazer roupas de trabalho.

Além disso, asseguravam que cada rebento dispusesse de um par de calçados imaculados para comparecer às celebrações religiosas da comunidade nos domingos, embora, para poupar, os mesmos eram transportados à mão e calçados somente após uma purificação dos pés em um ribeiro antes de adentrar na igreja.

Do fumo ao trigo, do vinho ao queijo, tudo o que era consumido era cultivado e produzido na própria propriedade, mantendo a autossuficiência e a qualidade dos alimentos servidos à mesa.

Na ausência de recursos financeiros e opções de lazer, as atividades preferidas eram improvisadas: jogar bola nos campos com uma bexiga de porco como bola, ouvir rádio na casa dos vizinhos sortudos que tinham o aparelho, participar dos serrões para rezar o terço e aproveitar para socializar e quem sabe flertar, já que as famílias geralmente tinham muitos jovens em busca de amor e casamento.

O casal retratado na história de hoje, que veio ao mundo no início do século passado, experimentou todos os altos e baixos da vida familiar.

Suas vidas eram impulsionadas pelo trabalho árduo e pela fé, sempre guiadas pela honradez e honestidade.

Cumprir promessas e manter a palavra era mais valorizado do que simplesmente pedir desculpas ao cometer erros.

Esse era o modo de vida que se tornou tradição, transformando a existência em uma constante batalha por valores não materiais.

Viviam em casas simples, vestiam-se com o básico e tinham como luxo a boa alimentação e um copo de vinho.

O casamento desses dois foi selado no querido Rio Grande, terra abençoada que acolheu muitos imigrantes italianos.

Eles descendiam diretamente de italianos que chegaram da Itália pouco antes de nascerem.

Com famílias próximas, como era comum na época, o casal foi unido através de um acordo entre os pais e da cumplicidade mútua.

Desse casamento nasceram muitos frutos, que carregavam em si a história e a tradição de suas origens italianas.

Com o nascimento dos filhos, surgiu a necessidade de criar novas oportunidades. A propriedade pequena já não era suficiente para a mão de obra disponível.

Foi então que essa família decidiu seguir o rumo de outras famílias da região de Getúlio Vargas, em busca de uma região promissora e cheia de possibilidades.

Assim, eles chegaram à Vila do Povo Feliz nos anos 60, após uma viagem desgastante por estradas precárias da época.

A chegada foi calorosamente recebida, pois mais uma família estava disposta a construir uma nova história na vila.

Mesmo com saudades do lugar de origem, eles sabiam que era necessário ser forte e encarar essa nova vida.

Já haviam planejado se juntar a outra família e abrir uma atividade de madeireira, algo comum na época devido à grande quantidade de pinheiros disponíveis na região. Isso proporcionou a oportunidade dos filhos trabalharem e ganharem uma renda extra.

Por um tempo, os aventureiros trabalharam na Coxilha Negra se instalaram no Pé da Coxilha, próximo ao campo de futebol, mantendo viva a sua essência de agricultores.

Enquanto a vida se desenrolava, os filhos se casavam e trilhavam seus próprios caminhos, deixando os idosos aposentados na casa de madeira, típica italiana, impecavelmente limpa apesar de nunca ter recebido uma demão de tinta.

Durante anos, uma das filhas morou com eles e cuidava com esmero da igreja local, zelando para que tudo estivesse impecável.

Com um olhar fulminante, típico de uma italiana, ela repreendia as crianças que chegavam com os pés sujos de barro para a catequese ou missa, algo comum na época, já que as ruas da vila não eram pavimentadas.

Os patriarcas eram verdadeiros devotos, sempre presentes nos rituais religiosos da manhã de domingo.Com 30 minutos de antecedência, já estavam reunidos na frente da igreja, colocando a conversa em dia, tocando flautas e fazendo brincadeiras.

O nono, em especial, era alvo das brincadeiras de seu amigo Luzi Wessler, que adorava cutucá-lo e fazê-lo rir. Era uma forma carinhosa de demonstrar amizade.

Durante a construção da nova igreja por volta de 1984, meu pai e o nono se uniram para adquirir uma janela, apesar das dificuldades financeiras que ambos enfrentavam.

Enquanto meus pais viam o comércio entrar em decadência, o nono recebia apenas metade de um salário mínimo de aposentadoria. Mas o esforço valeu a pena, pois aquela janela se tornou um símbolo na entrada da igreja, à esquerda.

Em 1988, o nono partiu, seguindo meu pai que havia partido poucos meses antes. Por um capricho do destino, foram sepultados lado a lado, permitindo-me visitá-los anualmente para prestar homenagens e enviar minhas orações.

Enquanto cuido do jazigo dos meus pais, posso dedicar meus pensamentos tanto ao nono quanto à nona.

Esta última nos deixou na metade dos anos 90, mas manteve-se forte e comunicativa até o fim. Ela era uma presença constante nas orações diárias, acompanhadas pelo seu fiel bicceri di vino, compartilhando esses momentos com um filho e uma nora dedicados que estiveram ao seu lado até sua partida final.

A tradição foi mantida pelos herdeiros, com um filho cuidando dos pais idosos na antiga propriedade, outro vivendo em Lages-SC e a zeladora da igreja que se mudou para Pato Branco, onde veio a falecer. O filho mais velho, já falecido, residia por muitos anos na linha Coxilha Negra. Talvez eu tenha esquecido de mencionar mais alguém, mas esses são os que tive a oportunidade de conhecer pessoalmente.

O filho mais velho era cliente frequente dos meus pais, sua filha foi catequista do meu irmão e um de seus filhos foi meu colega de classe. Todos eram habilidosos no futebol e tinham forte presença na comunidade.

Uma outra filha do casal, brilhante professora da Escola da Coxilha Negra e da Vila, destacava-se em seu fusca vermelho impecável, desbravando a Vila e comparecendo à igreja nos finais de semana.

Viúva precocemente, após perder o marido em um trágico acidente com um caminhão carregado de torras, ela enfrentou a vida corajosamente, criando sozinha um filho pequeno.

Com virtude e determinação, ela assumiu as responsabilidades da propriedade rural do marido e continuou no magistério, garantindo ao filho a oportunidade de estudar e seguir carreira em um banco em Palma Sola.

Seu filho, seguindo o exemplo de paciência e integridade dos pais, conquistou o respeito de todos na comunidade ao exercer sua função pública com empatia, construindo amizades e prosperando nas atividades herdadas do pai.

Hoje, juntos, mãe e filho cuidam das propriedades e aproveitam a aposentadoria para se dedicarem ao bisneto e neto, lembrando que a verdadeira riqueza está nas relações e na fé, guiando-se sempre pelo divino e pela harmonia com o próximo, a quem chamam de irmão.O filho que dedicou seu tempo cuidando dos nonos, carinhosamente apelidado de "Taça", uniu-se em matrimônio com a filha de um dos pioneiros da Vila, que deu origem ao perímetro urbano de nossa cidade.

O casal sempre teve um papel significativo na comunidade, com o marido atuando como Ecônomo do CTG por muitos anos e, posteriormente, do Carijo, enquanto sua esposa era uma professora extremamente competente.

Tive a honra de ser aluno dela no 4º ano do ensino fundamental, e era incrível sua caligrafia impecável, especialmente ao ensinar truques matemáticos como a prova dos "9".

Além disso, ela lecionava uma disciplina única e valiosa chamada Indústria Caseira, onde aprendíamos habilidades práticas para o dia a dia, como cultivo de horta, alimentação saudável e produção de artesanato.

Atualmente, este casal de aposentados prova que a idade não é desculpa para a inatividade. Mesmo após sua saída da sala de aula, a professora continua ativa, trabalhando em parceria com sua nora em uma loja.

E quem não se lembra do adorável "Taça", sua picape saudosa e seu fusca abacate, que desfilavam pelas ruas da vila com baixa quilometragem devido ao seu alto consumo de gasolina, sendo usados apenas para o essencial.

A estimada professora mantém viva em suas lembranças as colegas que compunham o quarteto dinâmico da Escola Municipal Nei Braga (localizada onde hoje se encontra a casa mortuária da cidade), como as ilustres Professoras Renata, Terezinha e Zelinda, que deixaram uma impressão indelével em sua trajetória desde os primórdios de sua carreira.

As dedicações e características únicas que cada uma possuía são lembradas com afeto por todos nós que tivemos o privilégio de ser seus alunos. Agradecemos profundamente por terem enriquecido nossa formação, tanto estudantil como humana.

Mantendo o espírito lutador de sempre, ela que conciliou por muito anos as vendas de enxovais e a atividade no Magistério.

O que mais impressiona é a marcante semelhança física entre os descendentes do nono.

Os filhos parecem ter herdado não só seus traços faciais, como também seu jeito de ser. E essa característica se torna ainda mais evidente nos netos, que, a cada dia que passa, parecem se tornar cada vez mais parecidos com o patriarca da família.

É difícil não notar a calvície, o rosto avermelhado e até mesmo a barba dura, que o nono costumava aparar todos os sábados em um antigo salão da vila.

O ritual da barbearia, com a pele aquecida e a navalha deslizando suavemente, é uma tradição que seu filho ainda mantém.

Durante o falecimento de minha mãe, encontramos diversas caixinhas de lâminas que ela guardava, mesmo em uma época em que esse hábito não é tão comum e presenteamos o nosso amigo “Taça”.

É interessante como as tradições familiares resistem ao tempo, mesmo em um mundo em constante mudança.

Neste clã de indivíduos encantadores, mas realistas, a família se estende aos netos que são meus amigos, mantendo uma tradição sólida e enraizada que é passada de geração em geração.

Tenho a incrível sorte de poder chamar essas pessoas extraordinárias de meus grandes amigos. O filho mais velho desse casal foi meu parceiro na República "100 comentários", durante o tempo em que vivi em Francisco Beltrão para estudar e trabalhar.

A filha mais velha mostrou toda sua dedicação e competência ao trabalhar na Prefeitura enquanto eu estava à frente do Executivo Municipal. Ela continua sua jornada profissional com maestria, assim como a filha mais nova, que, mesmo tendo tido pouco contato comigo, também teve uma passagem notável pelo serviço público em nossa cidade e agora brilha em Francisco Beltrão.

O filho mais novo é meu compadre e confidente, ao lado de sua esposa. São daquelas amizades que podemos contar nos dedos, porque estivemos juntos nos bons e maus momentos, inclusive nos dramas políticos que só quem viveu de perto sabe como são.

São pessoas profundamente religiosas, amantes da cultura gaúcha e que vivem suas vidas de maneira exemplar, seguindo os valores de seus antepassados e carregando consigo um legado cultural rico e inspirador.

É uma alegria poder compartilhar essas experiências, mesmo que haja pequenas imprecisões, fruto do olhar admirado que foi construído ao longo de uma jornada.

Perceber o quanto somos influenciados por aqueles que nos cercam é fundamental, pois como seres em constante evolução, devemos buscar sempre o progresso como base para construir uma sociedade mais justa e igualitária.

As tradições são importantes por nos manterem conectados ao passado, mas é essencial olhar para o futuro, seguindo o que nos enobrece e nos guia.

Devemos sempre lembrar de nossas raízes para termos forças para continuar nossa jornada.

Sou grato por ter vocês como meus grandes amigos, em um mundo tão centrado em interesses individuais, é inspirador ver a importância que vocês dão ao coletivo.

Sou imensamente grato pelos preciosos ensinamentos da minha estimada professora, e pelas fascinantes narrativas do "Taça" em suas incríveis aventuras na mágica Ilha Redonda, onde se embrenhava no lodo medicinal e se banhava nas águas termais, uma tradição passada de geração em geração desde os anos 40.

Agradeço aos netos dos patriarcas pela valiosa companhia que sempre nos manteve unidos em prol do bem de nossa comunidade, e em especial aos amigos inseparáveis, Vanico e Iliane, por estarem ao nosso lado nos momentos mais desafiadores e por sua generosidade sem igual.

As adversidades da vida nos revelam a força dos mais resilientes, ressaltando a importância da persistência e da paciência para colher os frutos no momento certo, tal qual a colheita após as tempestades, em um paralelo com a história de Jó.

Essa fé profunda é uma força que apenas as mentes mais atentas compreendem, ecoando os ensinamentos do Nazareno: "Quem tem ouvidos, que ouça".


Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/

 


 

 

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