Eram raros de se ver, com uma média de idade em torno dos 70 anos. Os cabelos brancos eram uma figura comum, contrastando com a juventude precoce que pareciam carregar consigo.
O brilho prateado dos fios refletia não apenas a passagem do tempo, mas também as lutas diárias enfrentadas no árduo trabalho agrícola, nos dias frios e nos momentos de lazer escassos.
Os excessos de álcool e cigarro serviam como válvula de escape para as tempestades da vida, traçando um retrato complexo e realista do envelhecimento.
Nas minhas lembranças, consigo ver claramente alguns idosos que viviam perto da minha casa e que não saíam muito pela Vila devido às dificuldades de locomoção.
À esquerda da minha casa morava a famosa Dona Mariquinha, conhecida pelas suas rezas e chás medicinais. Essa senhora gentil, cujo rosto não consigo recordar, mas sua presença era marcante devido ao fato de um parente ter trabalhado como guarda em um Banco em Salgado Filho, o esposo dessa senhora dá nome a uma rua no bairro próximo ao trevo de Palma Sola, onde encontra-se o Posto de Fiscalização Sanitária.
Lembro-me das visitas rotineiras que fazíamos a dona Mariquinha, acamada devido à fragilidade da idade. As palavras de conforto, as rezas e as conversas inspiradoras ajudavam a aliviar o sofrimento da convalescente.
Apesar do seu rápido falecimento, o nome desta senhora permanece gravado na memória dos mais velhos pela sua simplicidade e pela sua habilidade empática de agir de forma espiritual e terapêutica em relação aos outros.
Naquela época, o acesso à saúde deixava muito a desejar. Por sorte, nós, moradores da Vila, podíamos contar com um hospital próximo, na cidade de Palma Sola. Os médicos que lá atendiam eram extremamente competentes e, ao mesmo tempo, sensíveis às dificuldades financeiras dos pacientes.
O administrador do hospital, um homem de baixa estatura, era rígido nas cobranças, mas sabia ser flexível nas negociações.
Antes da universalização da saúde, estabelecida pela constituição de 1988, os sindicatos, as Santas Casas de Misericórdias e os empregadores desempenhavam um papel crucial em amenizar as dificuldades.
Era comum os médicos se tornarem proprietários das terras dos pequenos agricultores em troca de atendimento médico para um familiar. A situação era tão desesperadora que, muitas vezes, as pessoas não hesitavam em entregar um pedaço de terra para salvar a vida de um ente querido.
O desespero e a falta de recursos levavam a ações extremas, onde a sobrevivência era mais importante do que a posse de terras.
Recordo com clareza os vizinhos idosos que me marcaram, em especial um senhor que se mudou para a antiga residência de uma família de comerciantes. A casa imponente, de cor vermelha e com piso na frente, dois andares e um porão que servia de área de serviço e garagem, era um verdadeiro tesouro arquitetônico.
Uma escada levava aos quartos no andar superior, onde um nicho abrigava o paneleiro, uma ideia brilhante do engenhoso senhor que projetou a construção.
A família que ali habitava não me recordo de onde vinha, mas era numerosa, com filhos e netos que se tornaram meus amigos de futebol.
O amplo pátio diante da casa se transformava em um campo de futebol improvisado, onde disputávamos animadas partidas.
O patriarca adquiriu a residência e mantinha reservas financeiras com meu pai. Após um longo período de convalescença, ele chamou meu pai para transmitir orientações sobre o futuro e, de mãos dadas com meu pai, partiu deste mundo.
Ainda hoje, ao visitar o cemitério, faço questão de passar pelo sepulcro desse senhor e de um de seus netos, vítima de um trágico acidente de bicicleta.
Após seu falecimento, a família permaneceu por um tempo na Vila, até que a propriedade foi vendida a um senhorzinho vindo do interior de Dionísio Cerqueira.
Usando bombacha e mantendo as tradições gaúchas, ele se tornou mais um personagem marcante do nosso pequeno mundo.
Esse senhor idoso, já de idade avançada, tinha uma família que incluía uma colega minha na escola. Sua presença trouxe um toque especial à Vila do Povo Feliz.
Diante da urgência de abrir portas para sua filha, mesmo já em uma idade avançada, ele decidiu se aventurar no Rio Grande do Sul, onde veio a falecer.
Atualmente, sua filha é uma leitora assídua do meu Blog, especialmente das incríveis Histórias da Vila.
Uma das nossas vizinhas que sempre recordo com carinho é a Dona Zeca, que residia nas proximidades da Rua Conrado Guimarães. Era uma senhora adorável, daquelas com quem se podia conversar tranquilamente, típica da calma que caracteriza a maioria dos idosos.
Ela tinha um neto que morava com ela e trabalhava na famosa Marcenaria do Werno, sobre a qual já contei em outra ocasião. Esse neto, um tanto rebelde, vivia em constante atrito com a dona da marcenaria.
Com seu cabelo longo, calça boca de sino com um recorte na perna e um pedaço de couro para dar um toque especial ao visual, ele certamente se destacava.
Após o falecimento da avó, o neto partiu, e nem mesmo o seu sobrenome eu sei, apenas o seu nome. Mesmo assim, sem dúvida, Dona Zeca foi uma figura marcante em minha infância, pois frequentemente eu levava compras feitas no Mercado do meu pai para sua casa.
Uma outra senhora idosa, mãe de um grande amigo meu que era marceneiro e vereador, é lembrada por mim de forma vaga, mas uma imagem que permanece marcante é a do dia de seu enterro.
Foi em um domingo à tarde e, enquanto estávamos jogando futebol, paramos em sinal de respeito para ver o cortejo passar.
O caixão era carregado de mão em mão, em um longo trajeto da sua casa, onde foi velada, até a igreja e, posteriormente, ao cemitério.
Outra imagem latente em minha mente é de um senhor que adorava sentar-se na frente de sua casa, próximo à escola, desfrutando de mate e conversando com sua esposa e netos.
Ele era o patriarca de uma extensa família, conhecida do meu pai lá do Rio Grande do Sul. Seus filhos e familiares desempenharam diversas atividades na Vila e seus descendentes exerceram papéis importantes na política de Salgado Filho e, posteriormente, na criação do município.
Hoje, uma rua transversal próxima ao Colégio Barão do Rio Branco leva o seu nome.
Lembro-me dele como um senhor calvo e idoso, cujo gesto marcante foi oferecer, certa vez, vários litros de tinta para canetas e almofadinhas de carimbo ao meu pai.
Essa tinta permaneceu debaixo de nossa casa por anos a fio. Cheguei a imaginar que a encontraria após o falecimento da minha mãe, mas não tive sucesso na busca.
Fico a me questionar sobre a origem e a idade daquela tinta de azul vibrante, usada provavelmente em tinteiros para molhar a pena em tempos de escrita com canetas-tinteiro, antes da era das canetas esferográficas.
Este indivíduo partiu desta vida para descansar ao lado de sua amada esposa e filho no Cemitério do Distrito de Tatetos, uma escolha peculiar que foge da tradição de repousar na Vila.
As razões por trás dessa decisão são um mistério que só os familiares poderiam elucidar, sendo uma questão íntima que merece nosso respeito.
A sua presença social na Vila pode não ter sido memorável, mas certamente houve um tempo em que ele era parte da comunidade.
Nas imediações da Rodoviária, todas as manhãs um simpático senhor já de idade avançada montava sua barraquinha, talvez como uma forma de complementar sua renda.
Com um sorriso no rosto, ele oferecia aos pedestres redes repletas de bergamotas, bananas e maçãs importadas da Argentina, além de deliciosos torrones, suspiros e sorvetes secos.
Era um verdadeiro festim para as crianças que aguardavam o ônibus para sua jornada, e também para os transeuntes que não conseguiam resistir às tentações expostas na barraca.
Eu tive o prazer de conhecer um pouco desse senhor, com seus óculos de aro largo que davam um charme especial ao seu rosto. Porém, sobre seus familiares e seu destino posterior, desconheço totalmente.
Já essa adorável senhora de idade avançada residia no local onde hoje se encontra a imponente Prefeitura Municipal. Como já contei em meu Blog, ela cuidava com esmero de um vasto parreiral.
Ao nos depararmos com a oportunidade de adquirir suas deliciosas uvas, a senhora prendia sua balança na estrutura do parreiral e nos vendia o suculento fruto.
Desfrutávamos da iguaria com prazer, embora sem a pretensão de ganhar um agrado, pois os italianos, conhecidos por sua praticidade, valorizam o fruto do trabalho árduo e da dedicação.
Um casal de idosos, residentes próximos ao bolão da Vila, possuía um espaçoso depósito, que meus pais alugaram o local por algum tempo para armazenar grãos, possivelmente relacionado a alguma atividade anterior desconhecida para mim.
O senhor, um patriarca de voz firme e imponente, liderava uma família numerosa, cuja saga ainda aguarda sua narração.
Outros idosos que marcaram minha memória incluem um barbeiro, cuja barbearia agora abriga uma farmácia. Ele era um senhor moreno de estatura pequena, que mais tarde se mudou para Salgado Filho. Sua filha se tornou uma Inspetora de Ensino, com quem tive contato no início da minha carreira como professor.
O açougueiro da vila, por sua vez, era um homem baixo e gordo que eu visitava todos os sábados para comprar carne moída e um pedaço de carne para assar no domingo.
Ele era muito simpático e pai de vários filhos talentosos no futebol. Um deles, infelizmente, era o motorista no fatídico acidente com torcedores e jogadores do Botafogo local na Linha Coxilha Negra, como narrei em meu Blog.
O vizinho desse senhor, um ex-subdelegado, também era um idoso sério e firme, mas extremamente justo. Ele também tinha uma grande família e acabou se mudando para a região de Quedas do Iguaçu, onde várias famílias da vila seguiram seu exemplo.
Dois noninhos, um magérimo e o outro mais rechonchudo, eram figuras completamente opostas. Enquanto o primeiro tinha uma voz suave e serena, o segundo era expansivo e falava com um forte sotaque italiano, sempre inserindo a expressão "dio vero" em suas conversas.
O noninho de cabelos brancos, que circulava pela vila com calma e tranquilidade, acabou se mudando para Salgado Filho.
Já o italiano foi residir em Quedas do Iguaçu, e lembro-me vividamente de uma visita que ele fez à minha mãe nos anos 90. Com sua vitalidade característica e uma mochila atravessada no peito, como se fosse um jovem, ele carregava seus pertences com estilo em suas viagens.
Outra idosa que deixou uma marca indelével em minha memória foi uma senhora simples, que costumava pegar carona comigo para ir ao Banco em Salgado Filho. Ela era provavelmente a pessoa mais humilde da Vila, vivendo em uma casa antiga de chão batido.
Como presidente do Grupo de Jovens, tive o privilégio de liderar um projeto junto com outros jovens, incluindo o talentoso carpinteiro Nelson Moinheiro.
Com madeiras de um pinheiro doado por Sadi Pimentel e serradas na madeireira Damo, conseguimos proporcionar a ela uma moradia um pouco mais digna.
Aquela senhora carregava seu dinheiro enrolado em um lenço e, quando veio a falecer, conseguimos garantir um enterro digno para ela.
Esse episódio foi um dos primeiros desafios que enfrentei em defesa dos mais necessitados junto ao Poder Público de Salgado Filho.
Foi uma experiência enriquecedora e inspiradora, que me mostrou a importância de ajudar aqueles que mais precisam, independentemente de suas condições.
Nas proximidades da residência da senhora, habitava um senhor idoso e robusto, pai de uma prole numerosa e esposo de uma mulher mais jovem.
Um de seus filhos tinha o mesmo nome do renomado mestre de Nazaré. Apesar da idade avançada, o idoso de pele escura mantinha-se sempre pronto para o trabalho, demonstrando uma incansável disposição.
No coração da vila residia uma senhora idosa, matriarca de uma extensa linhagem e de uma família tradicional que desempenhou um papel fundamental na história do nosso local.
Ela chegou à vila acompanhada de três filhos e de suas jovens filhas, uma das quais se tornou minha catequista na primeira comunhão.
Essa senhorinha era uma talentosa cantora que entoava cantos ao lado da respeitável Dona Lurdes Perondi, interpretando minhas músicas favoritas na igreja, como "Mãezinha do Céu" número 72, "Pelas Estradas da Vida" número 18 e "O Rei Fez um Grande Banquete" número 101. Eu encontrava inspiração em minha espiritualidade ao ouvir essas melodias suaves.
Por fim, havia um casal de idosos de uma família tradicional, com raízes na região de Getúlio Vargas. Eles eram extremamente simpáticos. Todo sábado, o senhorzinho ia cortar a barba no salão da Vila, onde a atendente sempre o barbeava com uma toalha aquecida.
Seu cabelo era ralo devido à calvície, e seu rosto já estava marcado pelo tempo, mas sua simpatia era incomparável.
Nos domingos, era comum vê-lo na frente da igreja, sempre disposto e muitas vezes incomodados de forma amiga e respeitosa por um motorista da Vila, cuja história já foi contada.
Sua família também compartilhou dos momentos e desafios da Vila, sem nunca desanimar. Essa é uma história que ainda será contada em detalhes.
O nono faleceu em 1988, próximo à data do falecimento de meu pai, e hoje ambos repousam lado a lado no cemitério Municipal.
Já a nona viveu por mais tempo, testemunhando a ascensão da Vila a município, sempre cercada por um dos filhos, a nora e os netos. Ela nunca deixava de tomar seu copo de vinho “bicheri de vino”, todos os dias.
É possível que eu tenha esquecido de outros idosos daquela época, mas o propósito de relembrar esses acontecimentos é mostrar como nós, jovens, viam esses indivíduos que dedicaram suas vidas às suas famílias e a Vila.
Naquela época, a aposentadoria garantia apenas ½ salário mínimo, o que exigia que continuassem trabalhando - principalmente na produção agrícola - para conseguir sustentar-se.
Com a necessidade de comprar todos os medicamentos, já que não havia doações do governo, muitas vezes era o chá caseiro que cumpria esse papel, tornando os curandeiros tão importantes naquela época.
Além disso, não existia assistência aos idosos na nossa vila, até o início dos anos 90. Foi somente com a introdução dessa prática por parte do município de Palma Sola, tendo como sede o CTG, que os idosos passaram a ter um local específico para se reunirem.
Ainda hoje, existem fotos e registros no acervo do Centro de Convivência que mostram os artífices daquela época.
Tenho nitidamente a imagem da Nona Tecchio, já bem idosa, com seus grandes óculos e vestido florido, na posição central da foto, desfrutando daquele momento inovador.
Sem dúvida, viver na velhice naquela época era equivalente a possuir uma bagagem de vivências e experiências enriquecedoras.
Os jovens costumavam saudá-los com gratidão e dedicar um tempo para ouvi-los. Tive a sorte de conviver com muitos desses sábios seres, que sem dúvida contribuíram para moldar a pessoa que sou hoje.
É interessante como, quando somos jovens, muitas vezes nos vemos envolvidos pela arrogância de acreditar que nunca envelheceremos.
Talvez essa seja uma das mais valiosas lições da vida: somente a maturidade nos permite enxergar com clareza.
Por isso, é sempre importante respeitar, mesmo quando discordamos, pois somente o tempo, enriquecido pela sabedoria divina, tem o poder de nos dar um novo ponto de vista.
Agradeço de todo o coração a esses seres que hoje seguem em uma jornada superior, onde não existem mais dor, julgamento ou aparências, apenas a plenitude de ser quem realmente foram.
Espero que todos já tenham alcançado a glória, pois lá também será necessário fazer um balanço de suas ações, em conformidade com o plano divino.
A purificação após a vida terrena, sem dúvidas, será um processo que pode levar tempo, mas feliz é aquele que possui poucas impurezas e alcança a glória de forma instantânea.
Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/
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