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HISTÓRIAS DA VILA DO POVO FELIZ (30) - FAMÍLIA STÜRMER


Em tempos em que o trabalho era a base da existência, o lazer era escasso e reservado para aqueles que tinham o dom da criatividade.

A música, uma arte milenar que remonta aos tempos de Davi e Salomão, tinha um significado poético e espiritual.

Era uma maneira de se conectar com Deus de forma sutil, envolvendo instrumentistas e vocalistas, e levando doçura aos ouvidos dos que procuravam se deliciar com versos ritmados.

Em meio a um trabalho difícil e exaustivo, encontrar conforto ao redor do fogão a lenha nas noites frias de inverno era uma forma de descansar o corpo e a mente, e desfrutar de momentos de prazer em família.

Neste relato, o casal, vindo do amado Rio Grande, trouxe consigo a paixão pelo violão, inspirados por Teixeirinha, e o prazer de cantar.

Essa conexão tornava a relação matrimonial mais comunicativa, onde o diálogo se desenrolava através das vozes harmoniosas das músicas de Bertussi, Monarcas, Mirins, Sérgio Reis e do sertanejo raiz de Tonico e Tinoco, Liu e Léo, Cascatinha e Inhana... que ecoavam pelas paredes de casa e animavam as festas da Vila do Povo Feliz.

O patriarca, de ascendência alemã, uniu-se a uma filha de uma família tradicional que não era tão ligada à música, mas foi conquistado pelo talento musical do esposo, o qual a incentivou a vocalizar melodias que os tornavam especial para entreter muitos casais em suas apresentações públicas.

A pecuária suína florescia em uma área hoje quase engolida pelo perímetro urbano, em um local de belas paisagens, com um açude que se debruçava sobre a Pedra Lisa.

Nesse pedaço de terra, um casal se dedicava ao cultivo de pequenas áreas para subsistência, tendo na suinocultura sua principal fonte de renda, possivelmente influenciados por um cunhado renomado na área.

Lidar com esses animais sempre foi um desafio devido ao odor característico, mas isso não os impedia de manter um chiqueiro bem organizado, enquanto aguardavam o dia em que os filhos pequenos poderiam ajudar.

O senhor, com sua picape amarela, transportava alimentos e animais para trocas ou vendas com outros produtores, tornando-se também o meio de locomoção da família.

Após as tarefas diárias, era comum vê-lo na vila, nos bares e no CTG, jogando cartas e conversando com amigos, sempre acompanhado de seu violão para animar as rodas de conversa e preparar churrascos.

A disponibilidade de tempo e as festas até altas horas eram características marcantes daquela época, em que cada um administrava suas atividades de forma informal.

Embora isso pudesse gerar problemas familiares e de saúde, mas uma boa conversa e um chá de losna ou boldo geralmente resolvia a situação, preparando-os para mais um dia de trabalho árduo e encontros com amigos.

Assim era a rotina daqueles tempos, sem energia elétrica, dependendo de lampiões, velas e lanternas para iluminar os momentos em família e na sociedade, seguindo adiante com a vida.

Recordo vividamente de um festival de música que ocorreu em Salgado Filho, lá pelos idos de 1978, no prestigiado Clube Independente.

Meu pai foi gentilmente convidado para integrar o júri, apesar de possuir uma visão limitada quanto à musicalidade.

Mesmo assim, encarou o desafio com coragem em uma noite de sábado, a bordo de seu reluzente TL ano 1975, acompanhado por alguns primos mais experientes que vieram do Rio Grande do Sul nos visitar.

No entanto, no trajeto de retorno, o motor do TL, com seu sistema de aspiração a ar, não resistiu e uma biela rompeu, causando um estrago no casco do motor.

Foi necessário solicitar uma reposição direto da fábrica para aquele carro relativamente novo, que possuía um item especial: um toca-fitas com fitas das inconfundíveis músicas de Teixeirinha e dos Cobras do Teclado.

Esse incidente tornou-se o grande problema daquela noite, que transcorreu em meio a um animado festival, com a participação de diversas pessoas, incluindo o casal protagonista desta história.

Embora não consiga recordar a classificação que obtiveram, lembro-me claramente de, na minha curiosidade de menino de 11 anos, questionar meu pai sobre a pontuação atribuída à performance do casal.

Naturalmente, a resposta foi de 10, afinal eram amigos e conterrâneos. Seu talento, no entanto, não garantiu necessariamente a mesma avaliação por parte dos demais jurados.

Mas, diante do conhecimento musical limitado de meu pai, aquela foi sua forma de prestigiar e desfrutar um pouco da música brindada pelos amigos da Vila.

Outra lembrança que sempre traz um sorriso aos meus lábios é da noite memorável no Pavilhão da Igreja, onde a matriarca dessa notável família entoava a canção "Mais que baita Macho" de Sérgio Reis, com seu esposo dedilhando a viola em perfeita sintonia.

Sua interpretação animada e cheia de personalidade encantou a todos os presentes, tornando aquele momento inesquecível.

A música "Chuvas de Maio", pedida por um sobrinho vereador e professor, também foi entoada com paixão pela senhora, trazendo à tona memórias da Vila do Povo Feliz.

Nos anos 80, a Peste Suína causou uma crise na suinocultura, levando a protestos e insatisfação, inclusive com um piquete no trevo de acesso à Palma Sola.

Diante das dificuldades, o casal decidiu vender sua propriedade e buscar novas oportunidades em Guarapuava, onde abriram um mercado em parceria com um cunhado.

Apesar dos obstáculos, acredito que eles tenham alcançado o sucesso na cidade, mesmo diante da triste notícia do falecimento do marido.

Uma história inspiradora de superação e resiliência, a protagonista dessa jornada transcende as adversidades com maestria.

Resta-nos agora a dúvida: estará ela na morada celestial ou ainda caminha entre nós?

Duas filhas decidiram retornar e se estabelecer em Salgado Filho, enquanto o filho, meu antigo amigo de futebol e escola, optou por viver em Curitiba.

Ele era um rapaz magro e ágil, com cabelo sempre bagunçado/molhado que lhe rendeu um apelido peculiar.

Outra cena que emerge em meus pensamentos, ocorreu em um dia específico, quando uma das filhas desse casal me presenteou com uma "cola" na escola.

Eu sempre fui metódico e não gostava de colar, preferindo estudar. Durante uma prova do 5º ano, fui surpreendido ao ser colocado na última fileira perto da janela, algo incomum para mim que sempre ficava na frente, por questões de visão.

Quando eu estava fazendo a prova, ela jogou um papel pela janela com a resposta de uma pergunta.

Envergonhado, peguei o papel e coloquei na boca para escondê-lo do professor. Apesar da boa intenção, não pude aceitar a ajuda naquele momento e, no fim, tirei uma boa nota sem precisar dela.

Durante a época de avaliações, assim que terminávamos nossas provas, tínhamos a liberdade de ficar vagando pela escola.

Agradeço o gesto dela de colaboração, mesmo que não tenha sido aproveitado.

As lembranças são como tesouros guardados em nossas memórias, mesmo as mais simples e singelas trazem consigo um sentimento agradável.

Nesta família, a harmonia era a palavra de ordem, sem exageros, mas também sem grandes privações.

Com o alimento produzido na própria propriedade e o lazer criativo, eles viviam em sintonia com a realidade da época.

A educação dos filhos era uma responsabilidade levada a sério, não era delegada à escola ou à sociedade.

Os pais tinham como meta formar cidadãos íntegros, honrados e comprometidos. E ao olhar para essa família, percebe-se que o objetivo foi alcançado, com os filhos seguindo o legado.

A música não foi um legado transmitido as novas gerações da família, pelo menos em minha observação de momento, mas ainda assim sua ausência na vida da família, provavelmente deixou um vazio palpável.

A matriarca, com seu talento inquestionável, enchia a casa de melodias cheias de alma, tornando os momentos em família verdadeiramente únicos.

Enquanto isso, o patriarca, com sua viola erguida em posição de destaque, trazia um tom de seriedade e profundidade para a música, complementando a harmonia familiar de forma magistral.

A saudade desses momentos musicais é como um sopro de nostalgia, que nos faz lembrar do poder transformador da arte em nossas vidas.

Quero expressar minha mais profunda gratidão a esse casal incrível, cuja musicalidade trouxe tanta alegria aos meus dias em diversos eventos que tive o prazer de prestigiar.

Não posso esquecer também de mencionar meu pai e meu irmão, que estão na foto deste post, juntamente com o violeiro dessa narrativa, durante a primeira festa de campo do CTG Sinuelo da Serra, local onde hoje se ergue a imponente torre da OI em nossa cidade.

A sinfonia produzida por este hábil violeiro, que agora se une em harmonia com meu pai, que brinda a vida celestial com seu cantil na estância divina, e meu irmão que compartilha este momento ainda conosco, transformou aquele dia em uma experiência verdadeiramente singular e memorável.


Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/

 

 


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Gast
11. Apr.
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Parabéns , belas recordações 👏👏

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