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HISTÓRIAS DA VILA DO POVO FELIZ (22): FAMÍLIA BELINI

Foto do escritor: caminhandocomfrancisco.com/ caminhandocomfrancisco.com/

Nas profundezas da década de 50, nas terras selvagens e impenetráveis da Vila do Povo Feliz, desembarcou vindo diretamente do Rio Grande amado, um indivíduo especial que carregava consigo a determinação e a valentia necessárias para desbravar territórios desconhecidos, movido pela busca de um pedaço de terra para chamar de lar e formar uma família.

Em uma época em que o estilo de vida lembrava as tribos indígenas, esse homem encontrou o lugar perfeito, pois caçar era sua paixão e a região abrigava uma diversidade de fauna rara: tatetos, capivaras, veados... e é claro, as temidas onças que eram respeitadas e evitadas. O som do espingarda ecoava apenas em circunstâncias extremas, pois esse ser sublime entendia que a caça era uma questão de sobrevivência, para garantir a energia necessária para manejar machados, serras e abrir trincheiras para plantar milho e feijão. Também criava porcos para comercialização, buscando melhorias financeiras para a família.

Desde muito jovem, ficou encantado por uma joia rara vinda de Descanso - SC, que mais tarde se tornaria o alicerce de sua tão sonhada família.

Foi durante suas explorações como aventureiro que ele descobriu a maior riqueza arqueológica da Vila do Povo Feliz - um monumento natural formado por rochas majestosas, talvez outrora abrigando animais ou até mesmo ancestrais indígenas.

Foi nesse lugar que ele cuidou com tanto carinho, esperando pelo momento certo para dedicá-lo a Maria Aparecida, cuja aparição se deu nas águas. Na metade dos anos 70, ele finalmente dedicou esse lindo espaço em honra ao pedido de saúde do seu filho, que sofria de epilepsia.

Foi um gesto de nobreza, compartilhado juntamente com outra família da Linha Pedra Lisa, onde essa dádiva da natureza está localizada, pronta para ser admirada. Sem dúvida, seu nobre gesto engrandece a história do nosso local, e é através dessas atitudes que as oportunidades se abrem para conquistas ainda maiores. Apesar dos desafios e dificuldades do trabalho agrícola em uma região inóspita, ele conseguiu não apenas sustentar seus filhos, mas também lhes proporcionar as condições necessárias para construírem suas próprias famílias.

Depois de se aposentar, ele tomou a audaz decisão de vender uma porção de suas terras campestres e estabelecer moradia na encantadora Vila do Povo Feliz. No entanto, mesmo na tranquilidade de seu descanso merecido, ele não abdicava do hábito de cavalgar em seu burrinho ilustre, famoso por todos na localidade. Sem falhar semanalmente, ele empreendia o percurso com o nobre objetivo de levar consigo sementes e mantimentos, retornando, triunfal, com uma parte da produção para sustentar sua querida família.

Esse momento foi excepcional em sua vida, pois agora tinha mais tempo livre para se dedicar à sua paixão: o jogo de 48. Assim como no tiro de garrucha, ele era extraordinário nesse esporte, sendo capaz de levantar taças e conquistar inúmeros torneios apenas ao lançar a bocha e acertar o bochim o alvo principal.

Além disso, ele tratava o jogo de boliche com a mesma destreza de um especialista do bocha, transformando esses momentos em atos de leveza para todos que se aproximavam dele.

Com um gesto tradicional de boas-vindas, ele acolhia a mão de quem chegava, levando a mão a seu rosto e tocando suavemente e sugerindo, de forma amável, que aquele ser recém-chegado viveria por 200 anos.

Sem dúvida, essa é a impressão que mais marca aqueles que tiveram o prazer de conhecer essa adorável pessoa.

A esposa dele era a personificação da sutileza e da receptividade. Sempre pronta e com uma fé inabalável, ela o acolhia de volta após as jornadas árduas de trabalho e suas partidas de bocha.

Com certeza, ela deve ter amparado seu amado marido várias vezes quando ele exagerava um pouquinho na cachaça, mas nunca feria a alma do caçador. Da mesma maneira, ele a tratava sempre com respeito.

Claro, nem tudo acontecia sempre como eles desejavam, mas, nesses momentos, o diálogo respeitoso sempre trazia a normalidade de volta.

Tenho grande estima por esse casal, que se tornou presente em minha vida. Lembro-me das inúmeras vezes em que fui até sua casa para levar milho para fazer quirela. Em uma oportunidade, após a morte de meu pai, precisávamos reformar nossa casa, e esse senhor nos cedeu os cepos de madeira nativa por um preço simbólico.

Além da amizade, essas pessoas foram meus fiéis parceiros políticos, sempre ao meu lado desde a minha primeira eleição como Vereador. Além do apoio, eles sempre me deram conselhos fundamentais para um novato como eu. Tive a honra de ser padrinho da matriarca dessa família, quando ela concorreu a rainha dos idosos. Lembro-me também de como adorava dançar valsa. Era comum nos encontros de idosos eu ter que dividir a dança com ela e minha saudosa mãe.

Essas pessoas sempre têm histórias fascinantes para compartilhar, demonstrando humildade e bondade. Um exemplo disso foi quando o patriarca decidiu explorar a região amazônica para visitar seu pai e irmão.

Uma aventura inesquecível a bordo de um fusca conduzido por um taxista local aficionado pelo Grêmio, que adorava flautear durante o trajeto. Curiosamente, sua família optou por decorar seu sepulcro com temas relacionados ao time, uma história cativante que talvez um dia será revelada.

Vários dias de viagem onde eles vivenciaram a cultura dos povos indígenas e tiveram encontros inusitados com animais silvestres. Essa é uma história que ele adorava contar, pois mostra a exuberância da região e a admiração pelos seus entes queridos.

Uma prova incontestável do acolhimento e generosidade dessas pessoas está na frequência com que o apreciador de jogos de bocha oferecia a hospedagem em sua própria casa para seus companheiros de partida.

A qualquer hora da noite, havia sempre um quarto disponível para acomodar os amigos. Certa manhã, como de costume, esse indivíduo acordou cedo, colocou sua calça, preparou o chimarrão e se dirigiu para cuidar dos seus animais.

Ao retornar à cozinha, ouviu seu hóspede italiano protestando que havia algo de errado. Quando tentou vestir sua própria calça, percebeu que não conseguia mais fechar o botão. Foi então que notaram que haviam trocado de calças. As gargalhadas tomaram conta do ambiente, proporcionando uma história divertida para ser contada e uma amizade genuína que sobreviveu ao passar dos anos.

Infelizmente, chegou a hora em que os destinos dessas pessoas queridas chegaram ao seu final. Primeiro, ele partiu, deixando-nos para trás, e depois foi a vez dela, após um período de convalescença. Como amigo e colega de sua filha, que foi professora do Pré-Escolar da minha filha mais velha, coube a mim a responsabilidade de redigir a mensagem final em ambos os funerais.

Não é tarefa fácil falar sobre pessoas que admiramos profundamente, porém, essa honra me permitiu discorrer sobre seres que, sem dúvida alguma, deixaram uma marca indelével. Seu legado ultrapassa os limites materiais, revelando-se em sua maneira de ser e de tratar os outros.

Sem dúvida alguma, essa família encontrou a felicidade. Eles possuíam em si as qualidades essenciais para relacionamentos saudáveis: diálogo, reciprocidade, perdão e um amor incondicional que os tornava seres brilhantes em um mundo que nos pressiona a sermos o oposto.

Graças a esses dons divinos, alimentados por uma fé inabalável, eles conseguiram construir uma história repleta de aspectos positivos. Mesmo em face das adversidades, encontravam forças para direcionarem-se rumo ao que é bom. Encontravam nisso o verdadeiro valor, algo que o dinheiro não pode comprar: o respeito, a amizade e a admiração que deixaram como lembrança.

Esses exemplos nos ensinam que a humildade e a devoção ao próximo são valores que todos devemos perseguir com intensidade em nossas próprias vidas. Diante de uma sociedade que muitas vezes nos leva a ignorar o essencial, esses seres exuberantes nos lembram que o caminho para a plenitude reside no cuidado com o outro e no compromisso com o respeito mútuo.

Hoje, as gerações mais jovens demonstram uma admirável devoção às histórias de seus ancestrais, sejam eles próximos ou distantes. Eles resplandecem as realizações daqueles que vieram antes, utilizando o trabalho como a força propulsora para novas conquistas.

Diferentemente da maioria das famílias que testemunharam o período decadente desta vila, eles souberam aproveitar esses tempos para se fortalecerem, permanecendo fiéis à atividade pioneira, expandindo-se para diferentes campos sem deixar para trás as bases que os mantiveram ativos até o último dia.

Hoje, resta-nos a saudade, mas é maravilhoso sentir a falta daqueles que verdadeiramente deixaram um impacto em nossas vidas, não apenas pelos feitos materiais que conquistaram, mas também pela abordagem gentil e amorosa que empregavam com todos ao seu redor.

A cuia de chimarrão ao lado do fogão a lenha, as conversas com os filhos e as histórias de um caçador agora encontraram um novo endereço, indubitavelmente junto a um pai misericordioso que os acolhe na sua eterna morada.


Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/

 

 


 

4 comentarios

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Invitado
22 feb 2024
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Convivi muito com essa família, fazíamos novena de natal em família, rezávamos o terço acompanhado a capelinha, e quantas noites nos reuníamos para o jogo de baralho com a nona linda, memórias eternas

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Olá obrigado por seu comentário, fico feliz em saber que seu relacionamento com essa amada família era algo sublime. Fique com Deus...

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Invitado
22 feb 2024

Boa noite Paulo eu amo ler as histórias que vc conta da vida real, por curiosidade o taxista do fusca seria meu pai, me lembro vagamente de alguma coisa.

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Olá Leida, já lhe respondi, por outro meio, mas é sempre ouvir comentários positivos, compartilhamentos e curtidas, isso me anima a continuar, em algum momento escreverei sobre os taxistas da Vila do Povo Feliz e sem dúvida, seu pai estará incluso na narrativa, já que fez parte mais latente das minhas memórias daquele período. Continue participando. Fique com Deus...

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