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HISTÓRIAS DA VILA DO POVO FELIZ (15): FAMÍLIA DE GÓES

Atualizado: 21 de fev.


Na década de 70, um verdadeiro virtuoso da marcenaria desembarcou na pitoresca e acolhedora Vila do Povo Feliz, após uma longa jornada desde a querida São Valentim RS. Convidado pelo seu cunhado, que já se deslumbrava com as belezas dessas terras, Chico Mazzaropi, como carinhosamente ficou conhecido, apelidado em uma homenagem ao célebre ator Mazzaropi, famoso por seus personagens caipiras nas telonas, conquistou corações e mentes com sua generosidade incomparável.

Contudo, com o passar do tempo, suas habilidades ímpares e sua personalidade cativante renderam-lhe um novo epíteto: Chico Góes, um nome tão grandioso que, por si só, já bastava para descrever sua imensidão, afinal, seu nome remetia ao grande santo de Assis, que hoje batiza meu estimado blog.

Chico, sendo o filho mais novo de uma família adorada, tinha como missão cuidar dos pais e construir a sua própria família. Por sorte, a Vila estava florescendo naquela época, graças à indústria madeireira. Ele encontrou emprego em uma fábrica de produtos de madeira, próxima a atual Unidade de Saúde Municipal. Para nós, jovens dos anos 80, aquele lugar se transformou no nosso campo de futebol (Campinho do Álvaro).

Aos sábados, após a catequese, nós, representando os times da Serra Alta, jogávamos contra os meninos que moravam nas redondezas do campo, que representavam a parte baixa da vila. Era uma época de diversão e competição saudável.

Infelizmente, logo após sua chegada, o triste acontecimento da morte de seu amado pai abalou a família. No entanto, ele ainda tinha sua mãe para cuidar, o que o levou a encontrar um novo emprego próximo de casa, numa marcenaria cuja história já foi contada em meu blog.

Foi assim que tive a oportunidade de conhecê-lo, já que a marcenaria ficava em frente ao comércio dos meus pais. Pontualmente às 11h45min, ele passava para comprar seu hollywood e desfrutar de uma pinguinha com meu pai e o dentista prático da vila, cuja história prometo narrar um dia também.

As conversas com meu pai sempre foram um deleite e culminaram em uma amizade eterna. Durante a frenética década de 80, eles formaram uma grande dupla na Capela Nossa Senhora de Fátima: um como presidente e o outro como tesoureiro.

Por toda a minha vida, considero-os não apenas parceiros de fé, mas também leais e constantes clientes. Mesmo nos períodos mais desafiadores, quando a crise econômica se abatia e os recursos rareavam, sua esposa se mantinha fiel em suas compras, e eles agiam como verdadeiros cúmplices, pagando no mês seguinte quando não havia disponibilidade imediata.

Lembro-me dos cheques do Banestado emitidos por sua esposa, já na condição de funcionária pública. Sem dúvida, esse período foi um desafio para essa família.

Na metade da década de 70, quando já estava no novo emprego, sua mãe também faleceu. Recordo vividamente o cortejo fúnebre atravessando a vila numa tarde de domingo.

Nessa época, ele já estava namorando a filha de uma família tradicional da vila e, em breve, se casaria.

Tenho em minha memória a imagem dele, de cabelos compridos, usando um terno azul, com sua esposa em um belo vestido branco, véu e grinalda. Essa foto se encontrava emoldurada na parede de sua modesta casinha de madeira, juntamente com o quadro do nosso time do coração, o Internacional de 1975. Visitando essa família, eu sempre me deliciava em contemplar aquele quadro.

Após se casar e ter uma filha a caminho, o nosso protagonista sentiu o instinto de criar raízes. Contudo, a situação não estava exatamente vantajosa para os moradores da Vila.

Porém, por um golpe de sorte, uma funcionária da escola saiu, abrindo uma vaga para sua esposa. Porém, se depararam com um pequeno problema: o pagamento vinha em forma de mensalidade dos pais dos alunos.

Tanto a sua esposa quanto a sua prima, que também trabalhava na escola, precisavam fazer a cobrança todo mês, inevitavelmente encontravam algumas pessoas que se recusavam a pagar. Alguns porque passavam apertos financeiros, outros porque achavam que não era seu dever bancar tal despesa.

Consequentemente, o recebimento do salário se tornava uma incerteza. Além disso, o seu trabalho numa marcenaria chegou ao fim, já que a empresa foi vendida. Era chegada a hora de se reinventar.

Em parceria com seu compadre e meu também, vizinho nosso, ele decidiu abrir um açougue. Lembro-me que, já adolescente, muitas vezes fui buscar animais para abate com nossa F-350. No começo, levávamos os animais para um abatedouro da igreja, na saída para Coxilha Negra, mas, posteriormente, passaram a utilizar um abatedouro particular de um comprador de gado da vila.

A atividade durou um tempo, mas, devido à constante diminuição da população na vila, acabaram fechando o açougue. Foi um momento difícil, pois agora era preciso buscar oportunidades em outro lugar.

Entretanto, sua esposa havia garantido um emprego estável no Estado e não podiam correr o risco de perdê-lo. O problema era que o salário dela era insuficiente para sustentar a família, ainda mais agora com um número maior de filhos. Era necessário encontrar uma solução

Após contatar alguns parentes em Chapecó, ele conseguiu um emprego como montador de portas em casas e apartamentos. No entanto, era um trabalho extenuante, já que a maioria das obras estava no litoral de Santa Catarina. As constantes viagens e o retorno para casa aconteciam apenas uma vez por mês.

Depois de um tempo exercendo essa função, abriu uma fábrica de beliches na Vila. Isso despertou nele o desejo de retornar e, com toda sua experiência, ele se tornou um importante suporte no empreendimento.

Ao retornar para a Vila, ele continuou sua trajetória como voluntário na Igreja e no CTG, e foi meu companheiro na Patronagem no ano de 1991.

Ele tinha um senso de humor parecido com o do eterno Mazzaropi e costumava contar histórias engraçadas: certo dia, um criador de suínos da vila ganhou ingressos para um show do Teixeirinha e Mary Terezinha no CTG Sinuelo da Fronteira de Dionísio Cerqueira e não tinha interesse em ir, então deu os ingressos para um dos filhos dele.

Esse filho o convidou, junto com um irmão que estava visitando a família e estudando Medicina em Passo Fundo e tinha um chevette impecável.

Ansiosos para esse show tão esperado, eles seguiram viagem logo no início da tarde, enfrentando a estrada de terra até Dionísio Cerqueira. Ao chegar lá, foram recepcionados por um grupo de pessoas, que imaginaram ser eles da equipe do Teixeirinha, já que a placa do veículo era do RS. Eles tentaram se explicar, mas ninguém deu ouvidos.

Sem usar os ingressos, esse senhor, no estilo Mazzaropi, saiu dali e foi até o lado de fora e vendeu os ingressos para algumas pessoas que passavam, usando o dinheiro arrecadado para comprar bebidas e cigarros, além de serem tratados como membros da equipe do grande cantor gaúcho.

É claro que, várias vezes, como era seu costume, ele ia ao banheiro para verificar seu bolso e conferir quanto dinheiro ainda tinha para aproveitar o resto do show.

Outro fato que sempre me vem à mente é a participação em uma festa em uma comunidade que anteriormente pertencia ao Município de Marmeleiro e que, com a emancipação, passaria a fazer parte de Flor da Serra do Sul. Nessa comunidade, residia um líder que era contra a emancipação naquele momento.

Decidimos então nos dividir em equipes nos domingos para participarmos das festividades, com o intuito de ressaltarmos a viabilidade de nossa Vila se tornar um Município.

Era uma tradição entre nós nos reunirmos debaixo das frondosas árvores para jogarmos o famoso jogo de 48 e baralho. Ah, e claro, sempre tínhamos que enfrentar o desafio de utilizar o banheiro externo, construído com a bela madeira da região.Foi justamente durante uma das minhas idas ao banheiro que presenciei um episódio digno de um roteiro de comédia. O nosso Mazzaropi da Vila, uma figura peculiar que gostava de guardar seus documentos e dinheiro no bolso da camisa, acabou cometendo um erro que resultou num desfecho desastroso. Ao retirar o pente do seu bolso para dar uma arrumadinha nas suas madeixas, todos os seus pertences voaram e caíram diretamente na fossa.

É como dizem, o azar é sempre atraído pelos momentos mais inusitados e improváveis. Por sorte, os deuses da sorte nos presentearam com uma história hilária para contar, recheada de ironias e reviravoltas, dignas de um verdadeiro enredo cômico.

Era um dilema, pois ele havia recebido seu salário no sábado e precisava resgatar os documentos e o dinheiro. A solução encontrada foi remover a cobertura do banheiro e improvisar pinças com algumas taquaras para resgatar o tesouro. Felizmente, tudo foi salvo. Posteriormente, encontramos um garoto disposto que recebeu uma recompensa por lavar os documentos e o dinheiro na sanga próxima ao local.

Após essa aventura inusitada, todos nós continuamos aproveitando a festa. Até hoje, esse acontecimento pitoresco me encanta, pois mostra a criatividade e a determinação de se recuperar algo valioso que ajudaria a sustentar a sua família.

Com a emancipação, ele continuou seu trabalho na renomada Fábrica de Beliches, demonstrando seu apoio incondicional durante minha campanha para o legislativo local.

Sua maneira peculiar de se referir a mim como "galinho prateado", termo comum no universo das rinhas de galo daquela época, só fortalecia nossa amizade a cada passo.Ao assumir a Secretaria de Educação no início do Município, uma de suas filhas assumiu um papel fundamental em minha equipe, lidando com a distribuição da merenda e material didático. Nossos dias eram uma verdadeira maratona para atender a alta demanda das escolas, mas juntos conseguíamos superar os desafios.

As comemorações de aniversário sempre contavam com um delicioso risoto regado a vinho. Em uma dessas ocasiões, celebrando o aniversário de sua filha, que hoje é minha comadre e uma devota Ministra da Eucaristia e dos Movimentos da Igreja Católica Local, a noite se estendeu após o jantar.

Nós, eu e minha hoje esposa, juntamente com o casal anfitrião, nos reunimos para uma partida animada de canastra. Apesar de não ser um grande fã de jogos de cartas, decidi acompanhá-los. O jogo seguiu seu curso natural, com vitórias alternadas entre as equipes, ao passo que garrafão de vinho ia se esvaziando.

Já era cerca de 5h da manhã, e o álcool havia começado a fazer efeito. Nesse estado de euforia, ele, que costumava chamar carinhosamente sua esposa de mãe, me levou a me confundir, chamando minha namorada e hoje esposa de mãe também. Esse momento, sem dúvida, foi excepcional e traz uma imensidão de saudade desse casal adorável.

Após eu ter assumido o cargo de Prefeito Municipal, meu amigo leal tomou meu lugar na vereança. Ele sempre lutou com determinação pelos seus eleitores, conduzindo campanhas cheias de garra em seu fusca azul, acompanhado por seu motorista de uma família tradicional da Vila, já que ele não sabia dirigir.

Foi então que ele começou a trilhar seu próprio caminho, montando uma empresa de beneficiamento de madeira, onde alcançou grande sucesso. Com isso conseguiu proporcionar um futuro melhor para seus filhos, construir a tão sonhada casa nova e desfrutar de uma vida digna, permitindo-se até mesmo viajar nas águas termais de São João do Oeste, um de seus destinos favoritos.

Como um grande apaixonado pelo Colorado e pelo esporte, ele sonhava em ver seu filho se tornar um jogador profissional de futebol. Embora tenham havido progressos nesse sentido, o sonho não se concretizou completamente. Lembro-me do período em que eu estava se especializando em Pato Branco; ele costumava vir à minha casa pedindo para levar dinheiro ou itens pessoais para o seu filho, que estava fazendo testes e morava no alojamento do estádio daquela cidade.

Durante esse período, eu me casei com minha esposa, já sua filha mais velha se casou com um grande amigo meu, que também foi imprescindível durante os meus mandatos como Prefeito Municipal e na minha função como presidente da Reitoria Nossa Senhora de Fátima.

Ambos os casais me apoiaram na condução da igreja durante um período de muitos desafios, no qual introduzimos o famoso jantar, que até hoje é uma das marcas registradas da igreja. Conseguimos aumentar o tamanho das festas, passando de 300kg de carne para 1.200kg, além de realizar a reforma da igreja e concluir a construção do pavilhão.

Em uma das visitas do Bispo Diocesano à reitoria, organizei um almoço em minha casa para recebê-lo, envolvendo todos os membros da diretoria e alguns convidados. Com base no aviso do padre de que o Bispo gostava de tomar whisky, comprei uma garrafa de Ballantines.

Como sobrou uma quantidade considerável e eu não aprecio essa bebida, sempre que tínhamos reuniões da reitoria na minha casa, ele chegava e ia direto para onde sabia que a bebida estava, saboreando um pequeno gole.

Essa memória ficou marcada na mente da minha filha Ana Paula, que nunca esqueceu desse fato e achava engraçado como ele se referia a essa bebida, considerando uma evolução socioeconômica, já que no passado a bebida possível era o Branfort, menos refinada.

Infelizmente, a vida adora nos pregar peças. Justo quando ele estava prestes a se emancipar e aproveitar a vida, viajando e curtindo seus netos, uma doença agressiva apareceu do nada. No começo, ele enfrentou com bravura, mas aos poucos, ela consumiu seu corpo e roubou seu espírito.

Aquela ligação trazendo a notícia do seu falecimento foi uma das noites mais tristes para nossa família. Não perdi apenas um amigo, perdi um verdadeiro pai. Junto com meu sogro, ele ocupava o vazio que meu pai deixou após sua partida.

Lembrar de alguém que amamos sempre traz gratidão, nos faz viajar no tempo e relembrar os momentos lindos que vivemos juntos. Nos mostra também que a finitude é uma realidade para todos, nos forçando a refletir sobre o valor de aproveitar o presente de forma leve e livre, respeitando a individualidade de cada ser humano.

Hoje, acompanho de perto essa família maravilhosa, cada um seguindo seu próprio caminho com base nos valores que receberam de seu pai. Cuidando da mãe com todo o zelo necessário, demonstrando que os pais são os seres que nos deram a vida e nos ensinaram os primeiros passos, e devem ser sempre lembrados e cuidados como um jardim que florescerá novamente com a chegada de novos rebentos (netos, bisnetos...).

Regar e adubar esse jardim com amor e perdão sempre será a melhor forma de perpetuar a memória deles. Hoje, no dia do seu aniversário, presto essa homenagem, como símbolo dessa amizade que jamais esquecerei e que foi fundamental para minha jornada.

Seu legado está imortalizado e a história é contada para que todos saibam que a construção de uma família e de um lar e de um lugar, sempre tem momentos de alegria e tristeza, mas no final, o que realmente importa são as atitudes que dedicamos ao próximo, não as coisas materiais. Essas atitudes são o que nos deixam eternizados.

Nessa narrativa, busquei rememorar o legado desse homem simples, mas com uma sabedoria e força de caráter admiráveis. Ele nos lembra que, mesmo com passos lentos, é possível deixar uma marca positiva no mundo e superar qualquer desafio que surja em nosso caminho.

Chico Góes, assim como o marceneiro José, pai de Jesus, é um exemplo a ser seguido, nos mostrando que a verdadeira superação está nas pequenas vitórias diárias e no amor que dedicamos aos nossos entes queridos.


Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/

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