
Em uma pitoresca comunidade chamada Cachoeirinha, situada na região simbiótica que outrora pertencia a Marmeleiro, duas famílias de ascendência italiana se uniam por laços matrimoniais. Embora estivessem mais conectadas à Vila do Povo Feliz do que à própria cidade do município ao qual pertenciam, essa comunidade exalava um charme singular. Acredita-se que tal nome tenha sido concedido devido à sua localização em um vale, onde uma graciosa cachoeira brotava de uma fonte próxima à serra.
No entanto, o verdadeiro destaque dessa pequena comunidade eram as famílias que a habitavam. Vindas da região de Chapecó-SC, essas famílias carregavam consigo o desejo de proporcionar aos filhos um pedaço de terra para chamar de seu. A maioria dessas terras eram pequenas e possuíam uma grande declividade, o que exigia muito esforço e trabalho árduo para que pudessem produzir o suficiente para sustentar suas famílias.No entanto, o que mais despertava curiosidade era o casamento que unia essas famílias. Os homens eram membros de um clã, enquanto as mulheres pertenciam a outro. Ambos os patriarcas eram respeitáveis senhores, que apreciavam uma boa dose de cachaça e um cigarro. As noites e os fins de semana eram preenchidos com a reza do terço em família e com a visita aos vizinhos, que eram como pilares nos momentos de necessidade de algum ingrediente ou de uma mão amiga nos trabalhos árduos da agricultura.
Já os dias chuvosos eram dedicados à organização dos galpões, à recuperação das cercas e à diversão dos mais jovens ao caçarem ratos e inventarem brinquedos. As mulheres e as meninas passavam as tardes ouvindo os programas diurnos transmitidos pelas rádios de Francisco Beltrão, enquanto as noites sem dúvida estavam reservadas para embalar o sono ao som das ondas da Rádio Record e do famoso burrinho do Programa do José Bettio.
Tenho saudades de um desses senhores em particular, que tinha uma voz poderosa e era chamado pelo nome de um dos discípulos de Jesus. Apesar de sua educação formal limitada, ele era um contador de histórias brilhante, que me encantava com suas narrativas sobre um tempo de muitas dificuldades. As famílias eram numerosas e enfrentavam diversas batalhas da vida, e por isso recorriam à pinga e ao cigarro como uma forma de terapia para enfrentar todas as adversidades.
Com o passar do tempo e a formação de novos lares a partir dos casamentos dos filhos, muitas pessoas decidiram migrar para a Vila. O principal motivo dessa mudança era a possibilidade de trabalho em uma granja de suínos e produção de grãos, onde também eram oferecidas moradias. Essas oportunidades permitiam que essas famílias proporcionassem uma melhor qualidade de vida para seus entes queridos.Esses novos moradores da vila estabeleceram uma parceria quase que familiar com o dono da granja, um homem perspicaz e com uma visão empresarial brilhante. Além disso, ele também tinha uma notável criatividade na educação de seus filhos.
Graças ao espírito empreendedor do proprietário e à colaboração dessas famílias, o trabalho e a amizade se tornaram conexões fundamentais para o sucesso dessa atividade econômica.Lembro-me claramente da forte influência desse honrado homem trabalhador, com suas convicções bem definidas e ideias inovadoras, que marcaram essa época de prosperidade na vila.
No entanto, o destino nem sempre seguia as expectativas traçadas. Num fatídico acontecimento, um dos herdeiros dessas respeitáveis famílias, um operador habilidoso de máquinas, encontrou seu trágico fim ao capotar um pequeno trator. O jovem, dotado de grande potencial, compartilhava o nome com o próprio primeiro discípulo de Cristo, aquele agraciado com as chaves celestiais e responsável por firmar os alicerces do cristianismo.
Sem dúvidas, esse acontecimento abalou profundamente essas famílias. No entanto, a vida precisava prosseguir e, nessa caminhada, outros membros da comunidade se aventuraram pela vila, em busca de melhores oportunidades e condições de vida. Alguns também encontraram trabalho em outra granja de produção de grãos, o que acabou levando ao crescimento e fortalecimento de suas famílias.
Um dos membros dessa família se estabeleceu às margens do lago municipal, em uma encantadora casa de madeira. Seus filhos, com nomes que refletiam fortemente sua devoção religiosa, compartilharam comigo anos de estudo e paixão pelo futebol. Eram também clientes fiéis dos meus pais, sempre pontuais na quitação das compras, geralmente feitas com vales fornecidos pelos empregadores.
Com o tempo, sentindo a necessidade de explorar novas oportunidades, essa família decidiu se mudar para a região calçadista do Rio Grande do Sul. Lembro-me de que alguns dos filhos conseguiram emprego em um mercado, ao mesmo tempo em que se aventuravam pelas indústrias de manufatura de calçados.
Uma das filhas, ao se casar, estabeleceu-se na Linha Pedra Lisa, onde se tornou uma líder religiosa excepcional, engajada na igreja da Vila. Infelizmente, ela já nos deixou, mas sua presença deixou uma marca indelével, assim como a do seu marido, sempre dispostos a atuar como voluntários em atividades sociais e religiosas da comunidade.
Tive a incrível sorte de estabelecer conexões profundas com diversos membros dessas famílias excepcionais. Entre eles, uma colega de trabalho que é descendente direta do nono Ferrarini, e uma senhora que tem fortes laços com esse ilustre clã, além de seu marido, um indivíduo extraordinariamente empático que personifica a essência da bondade. Conheço, também, outros indivíduos notáveis provenientes dessas amadas famílias. Embora pareçam pessoas simples à primeira vista, seus corações são vastos e sua dedicação ao trabalho é incansável. Infelizmente, muitos já nos deixaram, porém, mesmo diante das adversidades, eles deixaram um legado de integridade e retidão.Um dos netos dos nonos Ferrarini e Luza trabalhou por uma longa temporada em meu sítio. Ele era uma alma dedicada, que se sentia verdadeiramente parte integral da minha propriedade. Sempre atento e cuidadoso, ele transformou nosso espaço em um refúgio agradável e inspirador. Infelizmente, sua partida precoce nos entristeceu profundamente.
Uma experiência que marcou profundamente minha vida foi o trágico falecimento de uma colega dessa família. Lembro-me claramente de uma reportagem durante o plebiscito, em que ela aparece fervorosamente votando a favor da emancipação, uma imagem que ecoa em minha mente até hoje.
Agora, observando de longe, fico maravilhado com a movimentação dos membros dessa família, percebendo o quão belo pode ser o tempo e o quão valiosa é a vida. Mesmo em suas simplicidades, eles continuam fazendo novos amigos e dedicando-se ao trabalho em prol das famílias locais.
Uma das bisnetas do nono André, é sempre a primeira a curtir minhas publicações e visualizar os stories no blog, demonstra um carinho genuíno. Ela sempre busca algo nos meus textos que a faça refletir. Outro membro que se juntou a essa família foi um colaborador excepcional durante minha gestão como Prefeito, sendo considerado um dos principais Gestores do Setor Rodoviário Municipal. Agora, ele também faz parte desse grande clã, cujos sogros foram meus grandes amigos e também integravam essas famílias.
A percepção desses acontecimentos me traz uma sensação de admiração e gratidão, fazendo-me refletir sobre a beleza e a importância da vida. Mesmo nos momentos mais simples, somos capazes de fazer a diferença e criar laços verdadeiros. A união dessa família é um exemplo inspirador de resiliência e valorização das relações humanas.
Espero que essas famílias continuem a prosperar e espalhar a sua essência por onde passam. São pessoas que ensinam a importância da simplicidade, do trabalho árduo e dos valores familiares. Certamente, deixarão um legado de inspiração e dedicação.
Na icônica Linha Cachoerinha, alguns resistentes ainda vivem, apesar da escola ter deixado de existir. Porém, é inegável a quantidade de histórias de luta que essas incríveis famílias enfrentaram para construir um futuro sustentável, utilizando sua força de trabalho e, principalmente, sua fé.
Um membro com parentesco essas famílias, próximo dos 90 anos, é frequentemente encontrado em festas da igreja, cultos ou no clube do distrito de Tatetos. Surpreendentemente, ele não aparenta sua idade, e sempre entoa canções italianas, utilizando sua voz de ouro para conquistar novas amizades.
Nessas histórias de vida, é possível perceber a inteligência e o brilho singular que permeia cada detalhe. A força dessas famílias é movida por um amor profundo, uma devoção à comunidade e uma capacidade de adaptação diante dos desafios. São exemplos de coragem, empatia e perseverança que nos inspiram e nos ensinam lições inestimáveis.
Escrever sobre as famílias que convivi e admirei revela uma enorme capacidade de enfrentar obstáculos que, para muitos, parecem intransponíveis. Porém, para aqueles que encaram a vida como uma jornada repleta de honra e fé, esse peso se torna mais suportável. Sem sombra de dúvidas, é a bondade divina que capacita essas pessoas a superar problemas e transformar cada dia em algo valioso, que vale a pena ser vivido.
Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/
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