
No auge da exploração das riquezas naturais da Vila do Povo Feliz, uma dupla de irmãos e cunhados de ascendência alemã desembarcou com um objetivo em mente: encontrar uma forma de sustento para poder formar uma família e sonhar com dias melhores.
Enquanto um seguiu a tradição agrícola e desbravou os recantos selvagens da linha Pedra Lisa, os outros se estabeleceram na Vila e conseguiram um emprego como foguista, afiador e auxiliar na maior serraria local.
Embora tenham seguido caminhos diferentes, eles sempre se mantiveram fiéis aos princípios familiares de união e alegria, sempre regados a uma dose de cachaça ou uma caipira.
Ao chegar em suas amadas casas, éramos sempre recebidos calorosamente, no vaivém do chimarrão circulando e um bom trago de cachaça de alambique artesanal ou caipirinha sendo servida.
Era genuinamente impressionante presenciar a amabilidade e gentileza do filho deficiente nessa modesta família de agricultores. Ele carregava uma semelhança física notável com seu pai e estava sempre ao seu lado, ansioso para interagir com qualquer pessoa que os visitasse.
Apesar de não compreender completamente as conversas, ele fazia questão de expressar respeito, elogiando as palavras de seu pai e dos membros da família que se aproximavam das visitas.
Infelizmente, sua vida foi interrompida prematuramente, porém, deixou para trás uma lembrança brilhante de um espírito iluminado que trouxe luz para todos ao seu redor. Mesmo em meio ao sofrimento, uma expressão de gratidão e amor sempre iluminava seu rosto, tanto para os pais e familiares, quanto para Deus, por lhe conceder essa vida.
Essa combinação de trabalho árduo, tradição e momentos de descontração tornava seus dias mais leves e divertidos. Afinal, eles sabiam como aproveitar a vida da melhor maneira possível, valorizando seus laços familiares e celebrando cada conquista com alegria e felicidade.
Enquanto o agricultor dedicava-se ao cultivo de suas terras, cercado por sua amada família, que incluía sua esposa, proveniente de uma família tradicional alemã, e também meus queridos amigos, sendo que um deles foi responsável pela caldeira (foguista), um trabalhava como afiador da madeireira e o outro trabalhou no desdobramento da madeira para a empresa – o qual ainda me encontro com frequência -, não posso deixar de mencionar a esposa deste último, uma fervorosa devota com uma incrível sensibilidade, cuja história promete ser igualmente fascinante.
Já o foguista era casado com a irmã do proprietário da sorveteria, cuja história contei anteriormente. Seu trabalho árduo e matinal, carregando lenha para alimentar a caldeira e acendendo o fogo que impulsionava a movimentação dos equipamentos da madeireira, exigia dedicação e uma grande força física.
Certamente, o som do apito da caldeira ao meio-dia está eternizado nas memórias daqueles que vivenciaram aquele período, pois era por meio dessas mãos habilidosas que o comando para produzir aquele som marcante de nossa geração era acionado.
Durante incontáveis anos, esses exímios trabalhadores enfrentaram o desafio matutino de erguer-se cedo e preparar minuciosamente o equipamento, concedendo vida à serraria.
Uma atividade reverenciada à época, pois tal empreendimento era a fonte vital de energia necessária para que os demais funcionários pudessem transformar massivas toras de pinheiro nas célebres e quase inalcançáveis tábuas de 30.
São dimensões que hoje parecem meras quimeras. Tal façanha era possível graças à destreza do afiador, que com mãos habilidosas e olhar perspicaz, executava a temida tarefa com notável dedicação, algo que poucos poderiam almejar desempenhar.
O afiador, era realmente um ser extraordinário. Tinha habilidades pessoais tão impressionantes que, mesmo após o fechamento da serraria na Vila, foi convidado a trabalhar em uma serraria na Linha Cerro Azul.
Por anos a fio, ele pegava estrada todas as segundas-feiras pela manhã e só retornava no sábado, enfrentando uma rotina árdua em sua vida. Mas mesmo assim, jamais desanimava. Além de tudo, ainda conseguia criar seus filhos com muito carinho e zelo, e ainda mantinha sua preciosa chácara nos arredores da Vila.
Lembro-me bem da relíquia que ele possuía. Era um corcel verde impecável, que tive a honra de dirigir, pois meu pai o adquiriu em uma negociação.
Inclusive, como parte do negócio, foi dado um fogão a lenha nº 5, com uma cor azul tão única, que até possuía uma tampa especial para a chapa. Tanto o carro quanto o fogão eram verdadeiras preciosidades.
Esse senhor, após se aposentar do trabalho, se tornou um grande incentivador do Grupo de Idosos. Como presidente, desempenhou um papel fundamental, juntamente com outros associados na construção do tão esperado Centro de Convivência para os idosos durante o meu primeiro mandato como prefeito.
Essa foi, sem dúvida, a sua grande contribuição. Era uma pessoa correta e tranquila, capaz de suavizar qualquer ambiente e tornar as conversas agradáveis.
Adorava jogar canastra e tomar suas pinguinhas, mas sempre mantendo o equilíbrio. Infelizmente, tanto ele quanto sua esposa já partiram, mas seus exemplos continuam vivos em seus filhos.
Eles perpetuam a memória de seus falecidos progenitores, seja por meio de suas carreiras no serviço público ou por seu engajamento social.
Uma das filhas desse casal notável foi minha colega de Escola e outra foi a primeira professora de minha filha mais nova. Outro dos filhos é meu compadre, a quem tenho grande estima por sua incansável dedicação ao trabalho.
Já a filha caçula e seu esposo, um habilidoso pedreiro, merece todo o nosso respeito e gratidão por sua constante disposição em ajudar.
São lembranças valiosas que se perpetuam em nossas memórias, o que nos leva a oferecer nossas preces constantemente a esse casal amado. Com sua simplicidade e árduo labor, eles conquistaram um lugar de destaque e admiração em nossos corações.
Na outrora vila e cidade de hoje, o apaixonado auxiliar de serraria se destacava como o maior torcedor do Botafogo local.
Ele e sua esposa eram conhecidos por manterem os uniformes impecáveis, mesmo quando os jogos aconteciam em campos de terra e repletos de serragem que cobria os gols.
Esse torcedor assíduo não só assistia aos jogos ao pé da trave, como também se aventurava em busca das bolas perdidas. Levando diversas boladas, sua coragem e dedicação geraram inúmeras histórias para contar.
Lembro-me de minha infância e pouco antes do falecimento de minha mãe, quando ele frequentava o comércio de meus pais. Sempre correto em seus compromissos, esse amante do esporte agora perambula pela cidade em busca de conversas e memórias com antigos moradores.
Embora em idade avançada, ele ainda brilha como um verdadeiro esportista, ao lado de sua esposa, que é um exemplo de sensibilidade, e de sua filha, uma funcionária pública que cativa a todos com sua personalidade.
Ao encerrar as atividades da serraria, o foguista se mudou para Marmeleiro, onde empreendeu um bar antes de falecer. Seus filhos e esposa, imagino, ainda estão na região. Recordo-me da assinatura da filha mais velha, que detalhava as letras "ii" com bolinhas, em vez de pingo, demonstrando sua singularidade.
Quanto ao seu filho, lembro-me de um problema de audição. Espero que todos estejam bem e felizes por fazerem parte da história desse homem, cuja simplicidade carrega um simbolismo incrível para aqueles que vivenciaram aquele mágico período, onde o mundo girava através de olhares atentos e interações pessoais, conectando-se com as maravilhas que a natureza nos proporcionava.
O agricultor permaneceu na Linha Pedra Lisa por muitos anos, até que chegou o último suspiro. Tive o privilégio divino de visitá-lo no hospital durante seus momentos finais, um momento repleto de tristeza em que ele lutava para se manter entre nós.
Admiro imensamente esse senhor e sua família, pois foram fundamentais em minha jornada política, que teve início na vereança. Através desse primeiro degrau, consegui alcançar outros patamares, tudo graças ao propósito atribuído por um ser maior.
Busquei fazer meu trabalho com amor e dedicação, sempre voltado para os mais vulneráveis, sem nunca deixar de olhar para o futuro com inovação. Mas, acima de tudo, trabalhei para unir, não para dividir. Meu lema sempre foi: se não pudesse ajudar, pelo menos não causar mal.
Seu filho e um neto também se deixaram ser conduzidos por esse espírito ao longo de suas trajetórias, que permaneceram vivas nas gerações seguintes.
Eles ousaram percorrer os intricados labirintos da política, pois acreditavam que ela poderia abrir as portas para um mundo aprimorado e seres humanos aprimorados.
Um dos filhos desse distinto senhor tive a honra de tê-lo como meu compadre. Juntos, enfrentamos grandes desafios em estradas tão precárias que pareciam desenhadas por um artista abstrato.
Além disso, o acesso limitado à saúde nos colocou à prova inúmeras vezes. Por sorte, um desses desafios trouxe-me a alegria de ser padrinho de crisma do seu filho, em cujo nascimento tive a honra de auxiliar minha comadre a chegar ao hospital em Marmeleiro.
Após seu nascimento, meu afilhado enfrentou um problema ortopédico em seus preciosos pezinhos. Inúmeras vezes, tive o prazer de navegar pelas estradas até a Policlínica de Francisco Beltrão, levando-o para corrigir esse contratempo. Graças ao bom Deus, vejo-o hoje brilhando nos campos de futebol.
Quanto ao meu compadre, hoje aposentado assim como eu, ele passa seus dias conversando amigavelmente com os colegas do bairro. Tenho certeza de que ele se lembra com saudades dos tempos em que, com seu Jeep marrom, trazia seus dignos pais e irmãos para a vila.
Ah, e não posso esquecer da nossa empolgante jornada juntos. Eu, um aprendiz de motorista, e ele, um mestre mais experiente, com habilitação, embarcamos na nossa imponente F-350 vermelha e enfrentamos desafios na Pedra Lisa para coletar preciosos produtos agrícolas na casa de seus pais.
Relembrar aqueles que vieram antes de nós e nos impactaram não com grandes conquistas, mas com gestos simples e amorosos, é verdadeiramente prazeroso.
Ao vasculhar o horizonte, deparo-me com uma família ímpar, que um dia sustentou o mundo com suas mãos agrícolas. Admiro a graciosa matriarca, cujo rosto é marcado pelo tempo, mas cujo coração transborda de orgulho ao ver seus descendentes trilharem distintos caminhos na vastidão da sociedade.
Com uma determinação invejável, eles abandonaram a simplicidade do campo e colocaram seus talentos em jogo, mergulhando de cabeça no mundo da construção civil.
Como verdadeiros arquitetos das mudanças, atuaram como mestres pedreiros, dedicados ao progresso do nosso querido Município.
Eles conseguem, de forma admirável, honrar a memória dos seus antepassados e, ao mesmo tempo, construir um futuro sólido para suas próprias famílias, baseado nos nobres valores transmitidos por aqueles que vieram antes deles.
E como poderia se esquecer da incrível nona Ritter! Uma verdadeira dama, com aparência frágil, mas dona de uma astúcia impressionante e de valores inabaláveis.
Todos os sábados, ela aparecia para fazer suas compras da semana, sempre com seu dinheiro cuidadosamente guardado em um lenço. Era uma visão comum vê-la com créditos, já que sempre emprestava a meu pai com juros de poupança para qualquer emergência que pudesse surgir.
A filha do agricultor, por sua vez, é uma costureira habilidosa, que em parceria com seu marido um ser de grande generosidade, realiza reparos e cria peças de roupa magníficas.
Somos verdadeiramente privilegiados por termos a amizade deles. Recordar o passado mexe profundamente conosco, instigando nossas mais intensas emoções.
As lembranças vividas surgem em nossos olhos, com uma lágrima que mistura saudade e gratidão por aqueles momentos únicos em que o bem-estar do outro era o mais importante.
Era uma época em que conquistar o mínimo para viver com dignidade e manter os valores e tradições transmitidos de geração em geração eram os verdadeiros objetivos.
Não há palavras para descrever toda a sabedoria e significado que esses gestos simples e amorosos carregam. Eles nos lembram de nossas raízes, do que realmente importa na vida. É um verdadeiro tesouro ter pessoas assim em nossa história.
Um Sonhador Caminhando com Francisco - Escritor do blog https://www.caminhandocomfrancisco.com/
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